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Hamas e muro acuam cristãos de Belém
Elite que já foi numericamente predominante na cidade berço de Jesus convive sob tensão tácita com maioria muçulmana
Êxodo aumentou sob crise econômica e governo de grupo radical; estimativas indicam que mil cristãos deixam territórios por ano
MICHEL GAWENDO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM BELÉM
Desde que o Hamas assumiu
a Autoridade Nacional Palestina, em março, a tensão entre
muçulmanos e cristãos vem
crescendo, e o desconforto entre a minoria cristã da Cisjordânia -especialmente em Belém,
local tradicional do nascimento
de Jesus- aumentou.
Somado aos problemas de segurança e econômicos da cidade, agora cercada pelo muro
construído por Israel, um governo radical islâmico causa
desconfiança entre os cerca de
25 mil cristãos que vivem ao lado de 150 mil muçulmanos.
Em público, os cristãos de
Belém -católicos, ortodoxos e
protestantes - dizem que não
há problemas. O tema das disputas é tabu na cidade. E as
duas comunidades vivem lado a
lado e são unidas em torno da
identidade nacional palestina e
na política da luta contra a ocupação. Mas problemas religiosos e rixas pessoais vêm desgastando a convivência.
A tensão chegou ao pico depois do discurso do papa em setembro, quando Bento 16 usou
uma citação que aludia ao islã
como uma religião violenta.
Muçulmanos revoltados atacaram igrejas e instituições cristãs na Cisjordânia. Em Belém,
casas de cristãos foram apedrejas, inclusive a sede da Renovação Carismática brasileira.
A minoria cristã é a elite econômica, social e cultural em
Belém. As escolas ligadas à igreja são consideradas as de nível
mais alto na cidade e não pararam de funcionar nas greves
dos funcionários da ANP.
As instituições não são exclusivas para cristãos, e muitos
muçulmanos preferem colocar
os filhos nas escolas ligadas às
igrejas. As maiores lojas para
turistas são de famílias cristãs.
Amizades e negócios entre
cristãos e muçulmanos são comuns. Mas namoros e casamentos são raros. Há uma espécie de acordo de silêncio.
"Não se conversa sobre religião", diz o vendedor Sami
Quesh. "Ninguém vai conseguir converter ninguém."
No início deste ano, um grupo de cristãos escreveu uma
carta a líderes de igrejas listando problemas com muçulmanos. Reclamavam da inação da
ANP para resolver disputas por
terrenos e desrespeito a propriedades da igreja. Mas um
dos formuladores da carta disse
à Folha que a igreja tem receio
de ir à ANP. "Os líderes não
querem demonstrar que estão
contra um governo que defende os interesses nacionais palestinos. A igreja também têm
muitas propriedades e instituições, que podem ser afetadas se
houver uma briga oficial", disse
um cristão de Belém, que pediu
para não ser identificado. "O
movimento islâmico domina a
luta nacional palestina. Para
eles, a religião cristã identifica-se com o Ocidente."
Êxodo
A fricção com muçulmanos, a
crise econômica e a insegurança podem aprofundar o êxodo
cristão na cidade, onde o índice
de desemprego passa de 60%.
Os problemas econômicos
pioraram desde 2000, com o
início da Intifada palestina. As
incursões israelenses em busca
de terroristas e a construção da
barreira ao redor da Cisjordânia -que em Belém é um muro
de oito metros de altura- isolaram a cidade, cortaram o fluxo
de turistas e agravaram problemas econômicos.
A saída de cristãos de Belém
preocupa as lideranças religiosas e políticas. De acordo com o
Grupo Palestino de Monitoração dos Direitos Humanos, há
uma perda qualitativa, pois os
emigrantes são em geral pessoas com educação superior,
em busca de oportunidades
econômicas e intelectuais.
Todas as famílias cristãs têm
-ou conhecem- alguém que
emigrou ou tenta obter cidadania em outro país. Pesquisa da
organização não-governamental Open Bethlechem mostra
que 63,2% dos cristãos de Belém têm ao menos um parente
no exterior. Chile e Argentina
são os principais destinos.
Não há números exatos do
êxodo. As lideranças cristãs não
divulgam dados sobre a saída,
mas a ONU estima que 10% dos
cristãos deixaram a cidade. A
cada ano, segundo líderes locais que pedem anonimato, mil
cristãos deixam os territórios
palestinos. De Belém saíram
450 famílias católicas nos últimos anos, estima a Custódia da
Terra Santa, ordem franciscana
responsável por preservar centro religiosos na região e segundo a qual os cristãos já foram
65% da população da cidade.
"Somos uma minoria presa
na briga religiosa entre judeus e
muçulmanos", disse Edward,
dono de uma pequena loja de
artigos domésticos em Belém.
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