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São Paulo, sábado, 25 de janeiro de 2003

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Paris e Berlim querem ser a "voz" da Europa

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

A declaração de França e Alemanha contra um ataque ao Iraque agora é uma forma de a incipiente política externa da União Européia se afirmar perante o mundo, na opinião de Jean-Paul Hébert, especialista em estratégia e defesa da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais.
Para o sociólogo, o alargamento da UE, em 2004, com a incorporação de mais dez países aos 15 já reunidos, tornará ainda mais difícil produzir uma "voz" única da política externa para UE. França e Alemanha se anteciparam aos problemas, convertendo a si próprias em "motores" da unificação.
Ontem, o chanceler (premiê) alemão, Gerhard Schröder, explicitou o assunto ao dizer que a controvérsia entre alguns países europeus e os EUA "mostra como é necessário desenvolver uma política externa européia comum".
Para Hébert, 56, "a declaração franco-alemã é uma forma de expressar essa voz única: "Ouçam, o motor da Europa manifesta sua oposição à guerra'". Leia a seguir trechos de sua entrevista.
 

Folha - Há algumas semanas, o presidente Jacques Chirac declarou que a França deveria se preparar para uma eventual guerra. Agora, ele surge como um dos principais oponentes a uma intervenção no Iraque. O que o fez mudar de idéia?
Jean-Paul Hébert -
Mais precisamente, Chirac disse que seria preciso se preparar para qualquer eventualidade, o que é menos preciso do que dizer que seria preciso se preparar para uma guerra.
Bem, o seu discurso tomou um rumo mais claro por dois motivos. Primeiro, a França e Alemanha estão comemorando os 40 anos do Tratado do Eliseu [de amizade franco-alemã]. Segundo, pesquisas feitas na França, depois do discurso do presidente, mostram que entre 75% e 80% da população é hostil a uma ação militar contra o Iraque. Há uma grande diferença em relação a 1991 [Guerra do Golfo], quando essa opinião estava mais dividida.

Folha - A mudança de posição de Chirac não dá impressão de incerteza da França quanto à sua política externa?
Hébert -
Sim, cria a sensação de incerteza, embora houvesse sinais de que essa posição mudaria. Ainda hoje nos interrogamos se a França e mesmo a Rússia seriam capazes de se opor a uma posição americana no Conselho de Segurança. É uma aposta difícil, pois há pressões enormes.
Mas a posição da opinião pública é importante, pois Chirac está querendo fazer modificações sociais internas muito grandes, sobre a Previdência e a jornada de trabalho, por exemplo, e ele não pode ter a população contra em todos os tópicos.

Folha - Schröder teria convencido Chirac a se opor à guerra em troca de uma aliança mais firme da Alemanha com a França?
Hébert -
Sim, há esse elemento. No contexto de uma União Européia que no futuro passará a reunir 25 países, o que não é fácil de concretizar, houve efetivamente necessidade de uma reaproximação das posições francesa e alemã. E foi isso o que se produziu.
Uma das dificuldades para a Europa, à medida que ela passa a comportar um maior número de membros, é fazer com que uma voz européia seja ouvida no exterior. A declaração franco-alemã é uma forma de expressar essa voz: "Ouçam, o motor da Europa manifesta sua oposição à guerra".

Folha - Como seria possível uma política externa européia, independente dos EUA, se o Reino Unido é de tal forma ligado aos americanos? Londres não está sendo marginalizada nesse processo?
Hébert -
Não. Acho que o Reino Unido, que está historicamente ligado aos EUA, tem mudado aos poucos a sua política. A cúpula franco-britânica de Saint-Malo, por exemplo, é uma decisão entre dois países que deslancha a questão de uma defesa militar européia -e isso não é naturalmente uma decisão pró-EUA. Parece-me que precisamos seguir mais de perto e com mais atenção a política britânica. Ela está se desengajando pouco a pouco da atração exercida pelos EUA.


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