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Paris e Berlim querem ser a "voz" da Europa
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
A declaração de França e Alemanha contra um ataque ao Iraque agora é uma forma de a incipiente política externa da União
Européia se afirmar perante o
mundo, na opinião de Jean-Paul
Hébert, especialista em estratégia
e defesa da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais.
Para o sociólogo, o alargamento
da UE, em 2004, com a incorporação de mais dez países aos 15 já
reunidos, tornará ainda mais difícil produzir uma "voz" única da
política externa para UE. França e
Alemanha se anteciparam aos
problemas, convertendo a si próprias em "motores" da unificação.
Ontem, o chanceler (premiê)
alemão, Gerhard Schröder, explicitou o assunto ao dizer que a
controvérsia entre alguns países
europeus e os EUA "mostra como
é necessário desenvolver uma política externa européia comum".
Para Hébert, 56, "a declaração
franco-alemã é uma forma de expressar essa voz única: "Ouçam, o
motor da Europa manifesta sua
oposição à guerra'". Leia a seguir
trechos de sua entrevista.
Folha - Há algumas semanas, o
presidente Jacques Chirac declarou
que a França deveria se preparar
para uma eventual guerra. Agora,
ele surge como um dos principais
oponentes a uma intervenção no
Iraque. O que o fez mudar de idéia?
Jean-Paul Hébert - Mais precisamente, Chirac disse que seria preciso se preparar para qualquer
eventualidade, o que é menos preciso do que dizer que seria preciso
se preparar para uma guerra.
Bem, o seu discurso tomou um
rumo mais claro por dois motivos. Primeiro, a França e Alemanha estão comemorando os 40
anos do Tratado do Eliseu [de
amizade franco-alemã]. Segundo,
pesquisas feitas na França, depois
do discurso do presidente, mostram que entre 75% e 80% da população é hostil a uma ação militar contra o Iraque. Há uma grande diferença em relação a 1991
[Guerra do Golfo], quando essa
opinião estava mais dividida.
Folha - A mudança de posição de
Chirac não dá impressão de incerteza da França quanto à sua política externa?
Hébert - Sim, cria a sensação de
incerteza, embora houvesse sinais
de que essa posição mudaria. Ainda hoje nos interrogamos se a
França e mesmo a Rússia seriam
capazes de se opor a uma posição
americana no Conselho de Segurança. É uma aposta difícil, pois
há pressões enormes.
Mas a posição da opinião pública é importante, pois Chirac está
querendo fazer modificações sociais internas muito grandes, sobre a Previdência e a jornada de
trabalho, por exemplo, e ele não
pode ter a população contra em
todos os tópicos.
Folha - Schröder teria convencido
Chirac a se opor à guerra em troca
de uma aliança mais firme da Alemanha com a França?
Hébert - Sim, há esse elemento.
No contexto de uma União Européia que no futuro passará a reunir 25 países, o que não é fácil de
concretizar, houve efetivamente
necessidade de uma reaproximação das posições francesa e alemã.
E foi isso o que se produziu.
Uma das dificuldades para a Europa, à medida que ela passa a
comportar um maior número de
membros, é fazer com que uma
voz européia seja ouvida no exterior. A declaração franco-alemã é
uma forma de expressar essa voz:
"Ouçam, o motor da Europa manifesta sua oposição à guerra".
Folha - Como seria possível uma
política externa européia, independente dos EUA, se o Reino Unido é de tal forma ligado aos americanos? Londres não está sendo
marginalizada nesse processo?
Hébert - Não. Acho que o Reino
Unido, que está historicamente ligado aos EUA, tem mudado aos
poucos a sua política. A cúpula
franco-britânica de Saint-Malo,
por exemplo, é uma decisão entre
dois países que deslancha a questão de uma defesa militar européia -e isso não é naturalmente uma decisão pró-EUA. Parece-me que precisamos seguir mais de
perto e com mais atenção a política britânica. Ela está se desengajando pouco a pouco da atração
exercida pelos EUA.
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