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Pressões internas, possibilidade de supremacia dos xiitas e cenário econômico desfavorável embaralham futuro
Democratização iraquiana vira dilema
LUCIANA COELHO
DA REDAÇÃO
Quando ordenou a invasão do
Iraque, em 20 de março de 2003, o
presidente dos EUA, George W.
Bush, proclamou que não apenas
livraria o país de um ditador
cruel, mas que instalaria ali uma
democracia que serviria de modelo para toda a região.
A primeira tarefa foi cumprida
com presteza. Já a segunda se revelou uma missão tão árida que,
passados dez meses, Washington
não tem um plano factível para alcançá-la. Pior: os iraquianos não
demonstraram o entusiasmo esperado por Bush, e o único esboço
que havia (o chamado cronograma da transição) está sendo questionado até na Casa Branca.
"O problema do Iraque é que a
democratização pode reproduzir
as divisões étnicas e religiosas ao
invés de abrandá-las. Um sistema
totalmente democrático pode dar
aos xiitas a chance de impor suas
prioridades", disse à Folha Daniel
Brumberg, autor do estudo "Liberalização versus Democracia", do
Carnegie Endowment for International Peace (Washington).
A observação de Brumberg reflete um dos principais dilemas da
Casa Branca.
Com 24,6 milhões de habitantes, o Iraque é um país com uma
conflituosa divisão étnica e religiosa, uma política dominada por
líderes tribais e sem nenhuma cultura democrática.
Reprimidos pela ditadura do
sunita Saddam Hussein, os xiitas,
que são mais de 60% da população do país, vêem no voto direto a
porta para a supremacia política.
Nas últimas semanas, essa
maioria encontrou no aiatolá Ali
al Sistani seu maior porta-voz. Foram as demandas de Al Sistani,
um líder islâmico moderado, que
levaram 100 mil xiitas às ruas na
última semana e, em uma demonstração inédita de força política do grupo, obrigaram a Casa
Branca a discutir alternativas para
o cronograma da transição.
Em novembro, o Conselho de
Governo Iraquiano e a Autoridade Provisória da Coalizão aprovaram o cronograma, que prevê a
entrega do poder a um governo
interino no próximo dia 30 de junho. A data é ponto pacífico, mas
o mecanismo de escolha desse governo -eleições diretas ou indiretas, voto nacional ou regional-
é o cerne do debate .
"O desafio é criar um processo
que dê a todos os grupos um lugar
na mesa de negociação, que por
sua vez deve estabelecer uma
Constituição cujos princípios garantam os direitos das minorias",
disse Brumberg. "Tudo isso à luz
da ausência de tradição democrática no país e do medo dos eventuais perdedores. Some a isso o
petróleo, motor da economia e
usado no passado para comprar
lealdade política", enumerou.
Para ser sustentável, a democracia iraquiana, para o analista, tem
de começar aos poucos, com uma
solução semelhante à proposta
pelos EUA -o poder dividido de
acordo com a representação de
cada grupo entre a população.
"Washington sabe disso e quer
o predomínio xiita em qualquer
governo, mas teme que eleições
diretas neste momento levem clérigos radicais ao poder -daí veio
a idéia das convenções regionais
[para escolher os membros do colégio eleitoral]", disse. "A ironia é
que, ao promover essa alternativa,
eles criaram as condições para Al
Sistani se erguer."
O especialista acredita que o último passo tomado pelos EUA
-recorrer ao apoio da ONU-
seja o mais acertado para o momento. "As forças iraquianas só
irão ceder à ONU, não aos EUA."
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