São Paulo, sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Bin Laden não pode estar no Afeganistão, diz Hamid Karzai

Em Davos, presidente afegão culpa vizinhos por problemas e pinta retrato róseo de seu país, apesar de ópio e terrorismo

Citando festas e retorno de refugiados, líder levado ao poder graças à invasão dos EUA, em 2001, diz não haver ocupação nem extremismo

ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

Hamid Karzai, o presidente do Afeganistão, exibe uma confiança e uma tranqüilidade totalmente insólitas para o governante de um país que é uma permanente usina de más notícias nos últimos muitos anos.
Exemplo talvez definitivo dessa autoconfiança é a sua afirmação taxativa de que "Osama bin Laden não pode estar no Afeganistão", sublinhando com força o "não pode".
Por que não pode? "Porque não pode se esconder no Afeganistão", uma frase que enfatiza a sua crença de que todo o território do Afeganistão está sob controle das autoridades, as nacionais ou as forças de ocupação estrangeiras.
Aliás, "ocupação" é uma palavra que ele rejeita. "A grande diferença entre Afeganistão e Iraque é justamente o fato de que, no Afeganistão, as tropas estrangeiras não são tidas como forças de ocupação. Tanto é assim que diz ser constantemente procurado por líderes comunitários com um pedido: "Presidente, o senhor não poderia mandar forças da coalizão [internacional] para o nosso vilarejo?".
Para esse graduado em ciência política e relações internacionais em uma universidade da Índia, há seis de seus 50 anos no poder, todos os problemas do Afeganistão estão além-fronteiras, mais exatamente "nos países vizinhos" (na verdade, refere-se ao Paquistão).
Nem os membros do Taleban são um problema feito em casa, diz o presidente. "A versão nativa dos membros do Taleban não é extremista. São estudantes de escolas religiosas."
Karzai passa por cima do fato de que as madrassas (as escolas religiosas) são tidas como centro de doutrinação extremista.
Para ele, a doutrinação é também culpa de estrangeiros. Primeiro, dos países ocidentais, que estimularam jovens afegãos (e de outros países) a combater a invasão da União Soviética, como parte do jogo de poder durante a Guerra Fria.
Depois, veio o "uso político do extremismo" por parte dos "países vizinhos", ou seja, pelo Paquistão.
Por isso mesmo, Karzai conversou ontem com seu colega paquistanês, Pervez Musharraf, e saiu relativamente otimista. "Encontrei um reconhecimento mais claro dos problemas que temos nos dois países e uma disposição para combater o crescimento do extremismo e do terrorismo no Paquistão."
O afegão acrescenta: "Se o Paquistão der um passo, o Afeganistão dará muitos mais".
A sua obsessão com o vizinho leva-o a insinuar que Osama bin Laden, que ele chama de "criminoso número 1 do mundo", pode estar escondido no Paquistão. "Ele está onde pode se esconder para sempre", diz.
Mas emenda: "Algum dia, vamos pegá-lo".
A confiança de Karzai faz com que ele descreva um país que não aparece em nenhuma mídia do planeta, um país "em que há mais alegria que tristezas, em que as pessoas se casam e festejam, saem e festejam". Um país em que há 3.000 jornais só na capital, Cabul, em que há 14 emissoras privadas de televisão, um país que "voltou a ser o lar de todos os afegãos", em alusão ao retorno dos refugiados da guerra civil e do governo do Taleban, que chegaram a ser 5 milhões, de uma população total de 30 milhões.
Karzai festeja em especial o que considera dois dos grandes feitos de seus seis anos de governo. Primeiro, uma pesquisa da universidade John Hopkins (EUA) que diz que os afegãos encontram a no máximo cinco quilômetros de casa um serviço de saúde acima do básico.
Segundo, o fato de que "as mulheres afegãs retornaram à vida pública".
Como é óbvio, o presidente não nega os "fracassos" desses seis anos de governo (e da ocupação que ele não chama de ocupação, mas de "libertação"): um é o terrorismo. Mas, de novo, culpa por ele "santuários e suporte" que não estariam no Afeganistão, mas nos países vizinhos. O outro fracasso é a "dificuldade para sustar o cultivo da papoula" (matéria-prima para o ópio).
A culpa, nesse caso, pelo menos para o surgimento do problema, foi do abandono dos cultivos tradicionais pelas pessoas que fugiam da guerra, da violência ou do Taleban. "Os que ficaram eram insuficientes para manter cultivos tradicionais" (come um figo e diz: "O Afeganistão produz figos melhores").
Karzai acha que não há a menor discussão no país sobre "a legitimidade do presente sistema". Prova, segundo ele: "Os sobreviventes de atentados não fogem para o Paquistão nem procuram o Taleban. Vêm a mim".
Conta a história de um homem que perdeu 19 membros da família em um atentado (sobreviveu só uma neta) e foi procurá-lo no palácio. Chorava quando Karzai o encontrou. "Entendo sua dor", disse o presidente. "Não estou chorando por essa dor imensa. Mas porque você não me encontrou, eu é que tive que encontrá-lo."
A história demonstra o maior problema do Afeganistão, terrorismo e papoulas à parte: "A máquina administrativa e os serviços não podem ainda chegar a todo o país, por falta de recursos humanos", diz o presidente. (CLÓVIS ROSSI)


Texto Anterior: Bolívia: Oposição foi espionada, diz polícia nacional
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.