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Bin Laden não pode estar no Afeganistão, diz Hamid Karzai
Em Davos, presidente afegão culpa vizinhos por problemas e pinta retrato róseo de seu país, apesar de ópio e terrorismo
Citando festas e retorno de refugiados, líder levado ao poder graças à invasão dos EUA, em 2001, diz não haver ocupação nem extremismo
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS
Hamid Karzai, o presidente
do Afeganistão, exibe uma confiança e uma tranqüilidade totalmente insólitas para o governante de um país que é uma
permanente usina de más notícias nos últimos muitos anos.
Exemplo talvez definitivo
dessa autoconfiança é a sua
afirmação taxativa de que
"Osama bin Laden não pode estar no Afeganistão", sublinhando com força o "não pode".
Por que não pode? "Porque
não pode se esconder no Afeganistão", uma frase que enfatiza
a sua crença de que todo o território do Afeganistão está sob
controle das autoridades, as nacionais ou as forças de ocupação estrangeiras.
Aliás, "ocupação" é uma palavra que ele rejeita. "A grande
diferença entre Afeganistão e
Iraque é justamente o fato de
que, no Afeganistão, as tropas
estrangeiras não são tidas como forças de ocupação. Tanto é
assim que diz ser constantemente procurado por líderes
comunitários com um pedido:
"Presidente, o senhor não poderia mandar forças da coalizão
[internacional] para o nosso vilarejo?".
Para esse graduado em ciência política e relações internacionais em uma universidade
da Índia, há seis de seus 50 anos
no poder, todos os problemas
do Afeganistão estão além-fronteiras, mais exatamente
"nos países vizinhos" (na verdade, refere-se ao Paquistão).
Nem os membros do Taleban
são um problema feito em casa,
diz o presidente. "A versão nativa dos membros do Taleban
não é extremista. São estudantes de escolas religiosas."
Karzai passa por cima do fato
de que as madrassas (as escolas
religiosas) são tidas como centro de doutrinação extremista.
Para ele, a doutrinação é
também culpa de estrangeiros.
Primeiro, dos países ocidentais, que estimularam jovens
afegãos (e de outros países) a
combater a invasão da União
Soviética, como parte do jogo
de poder durante a Guerra Fria.
Depois, veio o "uso político
do extremismo" por parte dos
"países vizinhos", ou seja, pelo
Paquistão.
Por isso mesmo, Karzai conversou ontem com seu colega
paquistanês, Pervez Musharraf, e saiu relativamente otimista. "Encontrei um reconhecimento mais claro dos problemas que temos nos dois países e
uma disposição para combater
o crescimento do extremismo e
do terrorismo no Paquistão."
O afegão acrescenta: "Se o
Paquistão der um passo, o Afeganistão dará muitos mais".
A sua obsessão com o vizinho
leva-o a insinuar que Osama
bin Laden, que ele chama de
"criminoso número 1 do mundo", pode estar escondido no
Paquistão. "Ele está onde pode
se esconder para sempre", diz.
Mas emenda: "Algum dia, vamos pegá-lo".
A confiança de Karzai faz
com que ele descreva um país
que não aparece em nenhuma
mídia do planeta, um país "em
que há mais alegria que tristezas, em que as pessoas se casam
e festejam, saem e festejam".
Um país em que há 3.000 jornais só na capital, Cabul, em
que há 14 emissoras privadas
de televisão, um país que "voltou a ser o lar de todos os afegãos", em alusão ao retorno dos
refugiados da guerra civil e do
governo do Taleban, que chegaram a ser 5 milhões, de uma população total de 30 milhões.
Karzai festeja em especial o
que considera dois dos grandes
feitos de seus seis anos de governo. Primeiro, uma pesquisa
da universidade John Hopkins
(EUA) que diz que os afegãos
encontram a no máximo cinco
quilômetros de casa um serviço
de saúde acima do básico.
Segundo, o fato de que "as
mulheres afegãs retornaram à
vida pública".
Como é óbvio, o presidente
não nega os "fracassos" desses
seis anos de governo (e da ocupação que ele não chama de
ocupação, mas de "libertação"):
um é o terrorismo. Mas, de novo, culpa por ele "santuários e
suporte" que não estariam no
Afeganistão, mas nos países vizinhos. O outro fracasso é a "dificuldade para sustar o cultivo
da papoula" (matéria-prima
para o ópio).
A culpa, nesse caso, pelo menos para o surgimento do problema, foi do abandono dos cultivos tradicionais pelas pessoas
que fugiam da guerra, da violência ou do Taleban. "Os que
ficaram eram insuficientes para manter cultivos tradicionais" (come um figo e diz: "O
Afeganistão produz figos melhores").
Karzai acha que não há a menor discussão no país sobre "a
legitimidade do presente sistema". Prova, segundo ele: "Os
sobreviventes de atentados não
fogem para o Paquistão nem
procuram o Taleban. Vêm a
mim".
Conta a história de um homem que perdeu 19 membros
da família em um atentado (sobreviveu só uma neta) e foi procurá-lo no palácio. Chorava
quando Karzai o encontrou.
"Entendo sua dor", disse o presidente. "Não estou chorando
por essa dor imensa. Mas porque você não me encontrou, eu
é que tive que encontrá-lo."
A história demonstra o maior
problema do Afeganistão, terrorismo e papoulas à parte: "A
máquina administrativa e os
serviços não podem ainda chegar a todo o país, por falta de recursos humanos", diz o presidente.
(CLÓVIS ROSSI)
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