São Paulo, sábado, 25 de fevereiro de 2006

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ANÁLISE

Violência põe em xeque retirada militar americana

STEVEN R. WEISMAN
ROBERT F. WORTH
DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

A violência que explodiu no Iraque com o ataque à Mesquita Dourada pôs o governo de George W. Bush repentinamente na defensiva. Na quinta-feira, havia sinais de que as autoridades americanas estavam reconhecendo ameaças a seus planos de retirar tropas do Iraque neste ano.
A empreitada americana no Iraque parece estar ameaçada em duas frentes, política e militar. Membros do governo em Washington e em Bagdá disseram que os próximos dias vão testar a determinação americana e iraquiana. Apesar das pressões para intervir e das acusações de ter assistido à matança sem nada fazer, as forças americanas decidiram abster-se de agir para ver se os iraquianos serão capazes de controlar a violência sozinhos.
Representantes iraquianos e alguns americanos também acham que Bush pode ter de repensar sua estratégia política para Bagdá.
O embaixador americano Zalmay Khalilzad vem buscando contatos com árabes sunitas, para tentar incluí-los no governo, e pressionando líderes árabes xiitas para que políticos ligados a milícias xiitas fiquem fora dos cargos mais delicados de segurança.
Mas sua posição enfureceu os xiitas. O embaixador americano disse na segunda que os EUA não vão "investir os recursos do povo americano" nas forças de segurança iraquianas se estas forem "controladas por pessoas sectárias". O comentário foi alvo de críticas de dirigentes xiitas, que o citaram como possível motivo do ataque na quarta-feira.
Pelo fato de as negociações delicadas continuarem em curso e porque os representantes temem que comentários americanos inflamem uma situação já volátil, poucas autoridades entrevistadas em Washington ou Bagdá concordaram em ter o nome citado.
Por enquanto, elas dizem duvidar que Khalilzad mude de rumo e afirmam que os EUA estão pressionando os líderes iraquianos a não levar adiante negociações políticas sem a participação sunita.


"Não sei se as forças americanas estão repensando sua posição, mas uma coisa lhe digo com certeza: os iraquianos estão"

Como o principal partido sunita suspendeu sua participação nas negociações, as autoridades esperam que a interrupção momentânea das conversações permita que as tensões diminuam um pouco.
As forças de segurança iraquianas não foram capazes de refrear a violência após a explosão da mesquita -ou, como sugeriram algumas lideranças sunitas, não se dispuseram a fazê-lo. Já as forças americanas ou não estavam presentes ou não conseguiram impedir turbas xiitas enfurecidas de matar por vingança.
Autoridades militares disseram que o Pentágono está observando e esperando para ver o que vai acontecer nas próximas 48 horas, antes de decidir se será necessária uma presença americana mais visível -o que, na prática, significaria enviar tropas americanas de volta a áreas que elas já haviam devolvido aos iraquianos.
Representantes do governo disseram que isso pode ser necessário para conter a violência, em parte porque, apesar dos esforços para superar as divisões sectárias, as Forças Armadas iraquianas continuam cindidas. Os árabes sunitas, em especial, enxergam as tropas dominadas por árabes xiitas como parte do problema.
"Nas últimas 36 horas, sunitas que pediam a saída de nossas forças de cidades como Bagdá passaram a pedir nossa permanência", comentou um alto representante americano. "Não sei se as Forças Armadas americanas estão reconsiderando sua posição, mas uma coisa posso lhe dizer com certeza: os iraquianos estão."
Assessores na Casa Branca, no Pentágono e no Departamento de Estado expressaram a esperança de que a violência mais recente não seja precursora de uma guerra civil no Iraque. Disseram ter base para esperança no fato de que todas as partes no Iraque vêm lançando apelos por contenção.
"Em vez de colapso ou revés, acho que podemos enxergar na situação atual a afirmação de que nossa abordagem está funcionando", disse um porta-voz do Departamento de Estado, Adam Ereli. "Temos uma liderança política agindo em prol do bem comum e forças de segurança mostrando, como entidade nacional, capacidade e responsabilidade."
Apesar dos comentários oficiais otimistas, a possibilidade de um colapso violento é muito grande. Um representante descreveu a explosão da mesquita em Samarra como "um fato que nos levou até a beira do precipício. Podemos vislumbrar ali embaixo um abismo que pode significar o mergulho na guerra civil".
Em Bagdá e entre alguns especialistas, havia dúvidas sobre se a influência de Khalilzad poderá ajudar a mediar uma solução política. Um representante xiita disse que alguns dos sunitas que o embaixador queria atrair para o governo são ex-membros do governo de Saddam Hussein.
"A situação é muito, muito, muito ruim", comentou Reuel Marc Gerecht, do American Enterprise Institute, que dá apoio aos esforços dos EUA no Iraque. "A explosão da mesquita jogou por terra aquilo que Khalilzad vinha tentando fazer."

Tradução de Clara Allain

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