São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2007

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ONG quer boicotar Olimpíadas na China

Olympic Watch acusa Pequim de quebrar promessa da época da candidatura de melhorar respeito a direitos humanos

Cerceamento da imprensa e falta de indenização a quem teve casa desapropriada por comitê organizador local são parte dos problemas citados

ADALBERTO LEISTER FILHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Milhares de quilômetros separam as duas nações. A realidade de cada uma faz esse fosso parecer ainda maior. Mas foi na hoje democrática República Tcheca que nasceu uma das ONGs com ataques mais virulentos à realização da Olimpíada de Pequim, em 2008, por causa da contínua violação aos direitos humanos na China.
A Olympic Watch surgiu em julho de 2001, pouco após a capital chinesa vencer a eleição para abrigar o principal evento multiesportivo do planeta.
De lá para cá, a organização vem se destacando por denunciar a falta de liberdade de imprensa, a repressão a dissidentes, o uso de tortura e o número de condenações à morte.
As reivindicações despertaram apoio de intelectuais e políticos de países como EUA, Reino Unido e França, trazendo para suas hostes nomes conhecidos como o do escritor peruano Mario Vargas Llosa.
Os apoios, porém, não foram efetivos para alterar a situação. "Apesar das promessas, o governo não melhorou em relação aos direitos humanos", reclama Petr Kutilek, secretário-geral da Olympic Watch.
Para a entidade, a tendência é até diversa. "Há relatórios confiáveis que destacam o aumento do controle dos meios de comunicação desde que Hu Jintao [presidente] e Wen Jiabao [premiê] chegaram ao poder [em 2003]." A ONG Repórteres Sem Fronteiras lembra a prisão recente de jornalistas de publicações estrangeiras, como Zhao Yan ("The New York Times") e Ching Cheong ("Straits Times", de Cingapura).
Para satisfazer a pressão internacional, a China liberalizou a atuação da imprensa a partir do Ano Novo. Intitulado "Regulamento Para Atividades de Reportagem na China", o documento possui itens óbvios aos ouvidos ocidentais, como o que declara: "para entrevistar entidades ou pessoas na China, os estrangeiros precisam só obter seu consentimento prévio".
Os repórteres terão livre acesso a viagens pelo país, sem precisar de autorizações. Porém, tais regras têm prazo para expirar: 17 de outubro de 2008, pouco após o fim dos Jogos.
Para a Olympic Watch, as normas são ilusórias, já que não contemplam profissionais chineses. Para complicar, segundo ela, o Comitê Olímpico Internacional faz vista grossa ao problema. Irritada, em manifesto recente a ONG pediu a "destituição da diretoria do COI".
"O presidente Jacques Rogge ignora a realidade. Isso demonstra que é incompetente para proteger o ideal olímpico e tomar posição clara sobre a violação dos direitos humanos na China", afirma o comunicado.
Dirigentes esportivos locais sofrem acusações graves. Liu Qi, presidente do Bocog (Comitê Organizador dos Jogos), foi denunciado por suposto delito de "crime contra a humanidade" e "genocídio" pela Falun Gong, movimento criado em 1992, com influências budistas.
Outros membros do comitê caíram em desgraça após denúncia de malversação de fundos públicos. Foi o caso de Liu Zhihua, supervisor das obras das instalações olímpicas, e de Du Shicheng, secretário-geral do PC em Qingdao, local que abrigará as provas de vela.
Para protestar, a ONG tcheca defende o boicote olímpico, tipo de manifestação que caiu em desuso. "As conversas das ONGs com os atletas estão começando. Acreditamos que eles irão expressar suas opiniões seja não participando das disputas, seja com outra forma de atuação", declara Kutilek.
Para engrossar a pressão, pede que o povo também se rebele. "É importante que não só ativistas internacionais, mas especialmente os chineses possam se expressar sobre a situação do país. Esperamos que, na Olimpíada, o governo não prenda e nem reprima dissidentes. E que não impeça manifestações pacíficas."
Para a Olympic Watch, a preparação para os Jogos promoveu novas infrações aos direitos humanos. As desapropriações para a obras olímpicas teriam posto na rua 300 mil pequineses. "Eles foram desalojados em troca de pequena ou nenhuma indenização", diz Kutilek.
Procurado pela Folha, o Bocog respondeu que o boicote aos Jogos "vai contra o princípio e o espírito olímpico".
Para o comitê, as reformas em Pequim serviram para modernizar a cidade, preservando locais de interesse histórico e cultural. Segundo a entidade, de 1991 a 2003, 550 mil residências foram desapropriadas ou reformadas "o que gerou melhorias drásticas nas condições de vida dos cidadãos".
O Bocog ressalta que a preparação do evento "impulsionou não só o desenvolvimento econômico, mas também a extensão de direitos ao povo".


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