São Paulo, domingo, 25 de março de 2001

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Movimento insurrecional albanês é fragmentado

DA REDAÇÃO

O Exército de Libertação Nacional, da Macedônia (UCK-M), é um grupo insurrecional de cerca de 300 macedônios de origem albanesa, apoiado por parte do UCK kosovar -o movimento armado que, ao opor-se ao jugo do então ditador iugoslavo, Slobodan Milosevic, desencadeou a Guerra de Kosovo (1999).
De acordo com especialistas em questões balcânicas, o UCK-M não recebe auxílio da cúpula do UCK kosovar, mas de dissidentes, provavelmente os mais radicais, que, ao se verem excluídos do processo político, decidiram relançar-se num conflito armado.
"Os kosovares que apóiam o UCK-M são aqueles que se sentem marginalizados pelo processo político em curso na Província (sérvia) de Kosovo. Nas eleições de outubro passado, mais de 60% das cidades kosovares foram conquistadas pelo partido moderado de Ibrahim Rugova, a Liga Democrática de Kosovo", explicou à Folha Jacques Rupnik, diretor de pesquisas do Centro de Estudos em Relações Internacionais, de Paris, na França.
Isso representou uma derrota terrível para aqueles que se consideravam como os heróis da libertação do domínio de Milosevic. Os líderes do levante da comunidade albanesa kosovar mostraram-se vulneráveis politicamente, pois o UCK recebeu apenas cerca de 25% dos votos nas eleições do ano passado.
"Ante essa derrota, houve alguns membros do UCK que perceberam que era hora de transformar-se de rebeldes em políticos democráticos, o que é um processo lento", afirmou Rupnik.
"Os mais radicais, por outro lado, acharam necessário retomar a iniciativa armada, já que não haviam sido desarmados pelas forças da Otan (aliança militar ocidental), e exportar o conflito étnico para a Macedônia. Com isso, colocaram em xeque toda a simpatia e o apoio político internacionais que os kosovares de origem albanesa haviam conquistado durante e após a Guerra de Kosovo", acrescentou.
O UCK-M também tem recebido auxílio dos rebeldes de origem albanesa do vale de Presevo, no sul da Sérvia, em sua luta contra as forças de segurança macedônias. Porém os dois grupos são intrinsecamente diferentes e vivem situações distintas.
O UCK-M diz lutar pela melhoria das condições de vida da comunidade albanesa, para que ela alcance os mesmos direitos da maioria eslava. Contudo apenas os guerrilheiros macedônios de origem albanesa mais radicais defendem a secessão do país e a anexação da parte albanesa a Kosovo.
No sul da República iugoslava da Sérvia, mais precisamente na região das cidades de maioria albanesa -Presevo, Bujanovac e Medvedja-, até mesmo os políticos moderados chamam o vale em que vivem de "Kosovo Oriental", para lembrar que ele foi separado da Província sérvia em 1947.
"Os albaneses da Macedônia buscam a criação de uma estrutura política na qual eles e os eslavos tenham os mesmo direitos. Já os albaneses do vale de Presevo querem uma grande autonomia, como a conquistada por Kosovo", disse à Folha Shinasi Rama, professor na Universidade Columbia e ex-editor-chefe do "International Journal of Albanian Studies".

Grupo fragmentado
Assim como o UCK kosovar, o UCK-M é um grupo bastante fragmentado, sem uma hierarquia clara. Segundo William J. Buckley, professor da Universidade de Georgetown, isso explica denúncias de que ambos os grupos sejam em parte financiados por fundos provenientes do tráfico de heroína e de armas.
"A acusação não é falsa, porém denúncias como essa podem ser exageradas. Devemos entender que há vários grupos dentro do UCK kosovar e, provavelmente, algumas facções dentro do UCK-M, que é menos numeroso. Grupos paramilitares se formam e dizem ser representantes de um povo. Contudo, na realidade, são muito fragmentados e, frequentemente, exercem influência apenas sobre uma região, uma cidade ou um vilarejo. E cada grupo tem seus interesses e seus modos de financiamento", analisou Buckley para a Folha.
Em fevereiro de 1995, numa matéria intitulada "The Balkan Medellin", a "Jane's Intelligence Review", publicação britânica especializada em questões militares e de defesa, já denunciava a ligação existente entre o tráfico de heroína e o aumento da criminalidade nos Bálcãs, sobretudo por parte das chamadas máfias albanesas.
"A guerrilha albanesa recebe dinheiro do Homeland Calling Fund, que tem sede na Suíça e também financiou parte da luta do UCK kosovar. E sabemos que esse fundo recebe dinheiro do tráfico de drogas. No entanto a maior parte do dinheiro usado pelo UCK-M vem dos albaneses que vivem no Ocidente", afirmou à Folha Mary Kaldor, professora na London School of Economics e autora de, entre outros livros, "New and Old Wars: Organized Violence in a Global Era" (novas e velhas guerras: violência organizada numa era global).
De acordo com Rama, que não crê que o dinheiro das drogas financie os esforços insurrecionais do UCK-M, os albaneses que vivem no exterior, que se concentram principalmente nos EUA, na Suíça e na Alemanha, chegam a mais de 500 mil. "Até pouco tempo atrás, os albaneses enviavam fundos para ajudar suas famílias. Agora eles o fazem para apoiar o UCK-M", disse Rama. (MSM)


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