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DROGAS
País que financia destruição de plantações comprou 99,9% da coca vendida em 1999; demanda da Coca-Cola explica números
EUA são o maior comprador legal de coca
ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO
Os EUA, que financiam com
centenas de milhões de dólares o
combate às plantações de coca
nos países andinos, são os maiores importadores legais do produto. Segundo dados da ONU, o país
importou, em 1999, 110 mil toneladas de folhas de coca, ou 99,9%
de todo o produto legalmente comercializado no mercado internacional.
A razão desses números é a demanda para a fabricação de um
dos mais conhecidos produtos
norte-americanos, a Coca-Cola,
vendida em mais de 200 países,
que tem em sua fórmula um extrato "descocainizado" de folhas
de coca. Ou seja, o refrigerante
não tem cocaína, que é retirada
por meio de processos químicos.
As folhas de coca são importadas da Bolívia e do Peru -no ano
passado, só o Peru vendeu coca
aos EUA- pela empresa Stepan
Company, com sede em Maywood, Nova Jersey, que tem autorização legal da DEA (o departamento de controle de drogas norte-americano) para comprar as
folhas e produzir o extrato alimentício vendido à Coca-Cola. A
mesma empresa, originalmente
chamada Schaefer Alkaloid
Works, depois Maywood Chemical Works, produz o aromatizante para a Coca-Cola desde 1903.
No processo de extração do alcalóide das folhas, a empresa produz também algumas dezenas de
quilos de cocaína. Parte disso é
destruída. Outra parte é utilizada
em pesquisas médicas ou como
anestésico em cirurgias.
Oficialmente, tanto a Coca-Cola
quanto a Stepan Company se recusam a comentar o assunto.
"A fórmula da Coca-Cola é um
segredo muito bem guardado, sobre o qual a empresa não faz comentários", disse à Folha um porta-voz da empresa.
O mesmo ocorre na Stepan
Company. "A empresa tem uma
política de não comentar esse assunto", afirmou John O"Brien, gerente da fábrica de Nova Jersey.
A Folha tentou ouvir também a
DEA sobre o assunto, mas, após
mais de dois meses de tentativas,
com diversos contatos com o setor de Relações Públicas do órgão
em Washington, com o representante do órgão no Brasil, Patrick
Healy, e com o adido de imprensa
da Embaixada dos EUA no Brasil,
Terry Davidson, o órgão se limitou a enviar, na semana passada,
um e-mail com apenas algumas
das informações solicitadas.
A Folha pediu informações sobre a empresa (ou as empresas)
autorizadas a importar coca e sobre o tipo de utilização do produto nos EUA, mas a DEA informou
que são "dados particulares que
não podem ser divulgados".
Segundo o órgão, a destinação
primordial da importação de coca
é comercial. "Há um uso muito limitado de folhas de coca para
aplicações de pesquisa", relatou o
órgão em e-mail enviado à Folha.
A reportagem também pediu
uma entrevista à DEA, mas não
obtivera resposta até anteontem.
Fórmula divulgada
"Certamente é a demanda da
Coca-Cola que explica a grande
quantidade de folhas de coca importada anualmente pelos EUA",
disse à Folha Mark Pendergrast,
autor do livro "Por Deus, pela Pátria e pela Coca-Cola - A História Não-Autorizada do Maior dos
Refrigerantes e da Companhia
que o Produz", de 1993, no qual
ele divulgou uma suposta fórmula
do refrigerante.
"Que eu saiba, a Coca-Cola é a
única empresa a utilizar esse extrato de coca na fabricação de seu
produto", disse. Pendergrast afirmou ter encontrado as informações sobre a fórmula do produto
em documentos achados nos arquivos da própria companhia.
Apesar de todo o mistério e proteção, a importação de folhas de
coca e a fabricação do extrato aromatizante seguem regras legais e
são fortemente controladas pela
DEA e pela Jife (Junta Internacional Fiscalizadora de Entorpecentes), órgão ligado à ONU responsável pela aplicação da legislação
internacional sobre drogas.
A Convenção das Nações Unidas sobre Narcóticos, de 1961,
permite o cultivo controlado da
coca nos países em que ela já era
tradicionalmente cultivada -Bolívia e Peru-, mas condena seu
consumo tradicional -mascada
ou em forma de infusão- pelas
populações indígenas.
Em seu artigo 27, porém, a convenção admite a produção de extratos aromatizantes a partir da
folha de coca, desde que não contenham alcalóides. "O artigo foi
escrito sob medida para a Coca-Cola", afirma Pendergrast, que
diz não saber se a empresa fez
lobby para a aprovação dessa ressalva na convenção.
Sem contradição
Para o secretário-geral da Jife,
Herbert Schaepe, não existe contradição entre a política norte-americana de combate às drogas e
o uso das folhas de coca para a
produção do aromatizante usado
pela Coca-Cola. "Tudo isso é permitido pelas convenções internacionais, autorizado pelos órgãos
competentes dos países e fiscalizado pela Jife", disse Schaepe à
Folha. "O que se combate é a produção para fins ilegais."
Segundo ele, não existe nenhum
impedimento legal para que os
países produtores incentivem outros usos legais para a coca ou para qualquer outro produto de uso
controlado, mas isso poderia criar
dificuldades para as campanhas
de prevenção às drogas.
"Se a coca, a maconha ou a papoula (matéria-prima do ópio e
da heroína) se tornam comuns, a
acessibilidade traz a sensação de
que não são produtos que provocam algum tipo de dano", afirma.
Esse problema não acontece, na
sua opinião, com a presença de
um extrato de coca na Coca-Cola.
"Quem toma o refrigerante não o
faz por causa disso, diferentemente de um jovem alemão que
toma cerveja de maconha achando que está consumindo de maneira legal um produto ilegal
-apesar de que essa cerveja, assim como a Coca-Cola, não tem
nenhum traço de droga em sua
composição", diz Schaepe.
"Essa suposta transgressão faz
parte do marketing da cerveja,
mas a Coca-Cola não faz isso. Alguém poderia até avançar dizendo que o nome do produto faz
alusão à coca, mas seria avançar
demais."
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