São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004

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EUA

Paraíso de dirigentes criminosos, Estado resolve reagir, mas críticos dizem que falta combater americanos que facilitam os negócios

Flórida caça corruptos latino-americanos

MICHAEL CHRISTIE
DA REUTERS, EM MIAMI

Líderes latino-americanos corruptos que, há décadas, vêm defraudando seus países e guardando o dinheiro público roubado em apartamentos e bancos da Flórida estão começando a ser recebidos com frieza em Miami, apesar do clima quente da cidade.
Uma nova força-tarefa do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE), criada para buscar o dinheiro ilegal de funcionários estrangeiros, dentro da campanha de endurecimento contra o "dinheiro quente" movida por Washington na esteira do 11 de Setembro, investiga até 20 casos de corrupção envolvendo oito países.
Composta de 18 agentes, a força-tarefa já marcou um tento importante: em dezembro passado, tomou de Byron Jerez, o "barão" da Receita da Nicarágua, um apartamento de US$ 3,5 milhões na comunidade elegante de Key Biscayne, em Miami, além de US$ 150 mil em dinheiro.
O caso levou a acusações de corrupção contra o ex-presidente Arnoldo Alemán (1997-2002), conhecido como ""Gordo" por seu físico e seu estilo de vida. Em março, Alemán foi levado preso à Nicarágua pela apropriação indébita de até US$ 100 milhões.
"Acredito que o caso Jerez seja apenas a ponta do iceberg", disse Richard Kolbusz, agente especial assistente encarregado da força-tarefa sobre corrupção financeira estrangeira, que tem seu QG no escritório do ICE em Miami.
Kolbusz, veterano do serviço de alfândega dos EUA, contou que, enquanto investigava Jerez, a unidade começou a investigar também o ex-presidente da Guatemala Alfonso Portillo (2000-2004). Segundo fontes do Judiciário, o caso Portillo inclui transferências de fundos por meio de empresas de fachada e pode ter envolvido até US$ 250 milhões.
O advogado de Jerez em Miami, Michael Diaz, disse que os casos de Alemán e Portillo estão interligados. Ambos envolvem as mesmas empresas panamenhas de fachada e os mesmos laranjas que, segundo Diaz, parecem ter dirigido "um serviço de corrupção terceirizada".
Kolbusz não quis identificar outros suspeitos que estão na mira da força-tarefa, mas afirmou que sete dos oito países envolvidos são latino-americanos. Outras fontes bem informadas disseram que já foram iniciadas as investigações sobre o rombo de US$ 2 bilhões de um dos maiores bancos da República Dominicana, o Baninter, e sobre as atividades de funcionários governamentais do Equador, do Peru e de Honduras.
Desde sua criação oficial, em agosto passado, a força-tarefa de Miami vem fazendo tanto sucesso junto ao novo Departamento de Segurança Nacional que o ICE pretende criar unidades investigativas semelhantes em Nova York e Los Angeles.
Especialistas em lavagem de dinheiro disseram que Miami é o lugar perfeito para iniciar o trabalho de investigação. "Esta é a cidade da corrupção", disse Charlie Intriago, editor do periódico "Money Laundering Alert".
"Existem bilhões de dólares em imóveis e contas bancárias no sul da Flórida pertencentes a líderes estrangeiros corruptos, atuais ou passados, civis, militares, seus familiares e associados próximos, incluindo amantes, namoradas e namorados."
Críticos dizem que, enquanto atacam os paraísos fiscais do Caribe por manter o sigilo bancário que facilita a lavagem de dinheiro, os EUA têm demorado a reagir aos bilhões de dólares de dinheiro sujo que atravessam seu próprio sistema bancário.
Tudo isso mudou com o 11 de Setembro, que foi acompanhado pela consciência de que os terroristas têm tanta tendência a fazer uso dos pontos fracos na regulamentação e na monitoração bancárias para financiar ataques quanto traficantes de drogas fazem para lavar seu dinheiro.
A repressão na Califórnia foi possibilitada pela implantação de novas medidas decorrentes da lei USA Patriot, que tornaram a corrupção de estrangeiros um crime passível de punição sob a legislação americana, nos casos em que o dinheiro passa pelos EUA em seu processo de lavagem.
Kolbusz disse que dinheiro vivo ou outros ativos apreendidos serão devolvidos a seus países de origem -em muitos casos países que figuram entre os mais pobres do mundo-, onde "bom uso poderá ser feito dele". ""Para nós, a questão principal é reprimir a corrupção e também enviar uma mensagem aos outros países: a de que os EUA estão aqui para ajudar", disse ele. "Enviamos aos futuros ocupantes de altos cargos a mensagem de que eles não podem mais agir com impunidade. Eles não têm onde se esconder."
Para reforçar sua campanha contra a corrupção estrangeira, os EUA estão cancelando vistos, privando autoridades latino-americanas de suas viagens para fazer compras em Miami.
Além disso, a representação do ICE na Flórida concentra os esforços para localizar e deportar dezenas de acusados de abusos dos direitos humanos que buscaram abrigo nos EUA. Quase 60 foram expulsos da Flórida nos últimos anos, incluindo integrantes de esquadrões da morte haitianos.
Especialistas têm dúvidas quanto ao alcance das medidas.
Para Eduardo Gamarra, diretor do Centro Latino-Americano e Caribenho da Universidade Internacional da Flórida, se o combate à corrupção fosse levado a sério, "seria preciso indiciar 80% de Key Biscayne e 60% de Coral Gables".
Intriago disse que perseguir autoridades estrangeiras corruptas é "uma proposta nobre". Mas, em sua opinião, ela talvez não impeça que o dinheiro roubado, depois de devolvido a seus países de origem, seja roubado novamente -a não ser que as autoridades americanas também fossem atrás dos bancos, advogados, contadores e corretores imobiliários de Miami que possibilitam e facilitam a lavagem de dinheiro.


Tradução de Clara Allain


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