|
Próximo Texto | Índice
Cidade do México descriminaliza aborto
Decisão, inédita no país e rara na região, foi tomada pela Assembléia local por 46 votos a 19 e vale para hospitais públicos
Manifestantes pró e contra
direito ao aborto tomaram
ruas da capital mexicana;
Igreja Católica fez oposição,
com apoio do papa Bento 16
DA REDAÇÃO
Com o prédio cercado por
forças de segurança e por manifestantes pró e contra o aborto,
a Assembléia Legislativa da Cidade do México aprovou ontem, por 46 votos a favor e 19
contra, a lei que descriminaliza
a interrupção voluntária da
gravidez até a 12ª semana de
gestação na capital.
A decisão é histórica. Na
América Latina e no Caribe, só
Cuba e Guiana têm uma legislação similar à aprovada ontem
pelos deputados da capital mexicana. Os legisladores debatiam ainda ontem subregulamentações da nova legislação.
Pela lei, qualquer mulher que
queira fazer um aborto, por
motivos financeiros ou familiares, poderá solicitar o serviço
em hospitais públicos da Cidade do México, onde vivem 8,6
milhões de pessoas.
Antes, assim como no Brasil,
era possível interromper a gravidez em caso de risco de morte
da mãe ou estupro -regra que
continua a valer para o resto do
país. Na capital, era também legal fazer o aborto em caso de
"inseminação artificial não desejada" e malformação do feto.
"As mulheres da capital não
estão sós. O México é um Estado laico", disse na tribuna a deputada Letícia Quezada, do esquerdista PRD (Partido da Revolução Democrática), num
discurso que mesclou defesa
das liberdades individuais das
mulheres e duros ataques à
Igreja Católica.
A Igreja e grupos católicos lideraram, nas últimas semanas,
uma campanha intensa contra
a medida -num país onde 92%
da população se diz católica, inclusive a maioria dos legisladores do PRD. Houve participação direta do papa Bento 16,
que na semana passada enviou
uma carta à Conferência do
Episcopado Mexicano, apoiando a condenação à descriminalização do aborto.
Um bispo comparou os legisladores pró-aborto aos nazistas
e um outro bispo repetiu ontem que excomungará todos os
legisladores que votaram a favor da mudança.
A discussão acendeu um debate nacional entre religiosos,
políticos e feministas -que exibem números do governo da cidade que estimam a morte de
1.500 mulheres por ano na cidade por complicações em
abortos clandestinos.
Artistas e intelectuais também se posicionaram. Um dos
ídolos máximos do país, o ator
Roberto Bolaños, protagonista
dos seriados "Chaves" e "Chapolin", apareceu em uma propaganda contra o aborto.
A modificação da lei foi uma
proposta do enfraquecido Partido Revolucionário Institucional, no ano passado, e foi encampada pelo PRD (Partido da
Revolução Democrática), do
candidato derrotado à Presidência Andrés López Obrador.
Com 34 dos 66 votos da Assembléia, e ainda com ajuda do
PRI e de partidos menores, o
esquerdista PRD patrocinou a
vitória -houve uma abstenção.
Do lado derrotado, ficou o
conservador PAN (Partido da
Ação Nacional), de fortes ligações com a Igreja Católica, que
ontem pela manhã ainda tentou, sem sucesso, fazer passar
uma medida regimental para
impedir a votação.
"A Constituição reconhece
plenamente o direito à vida
tanto da mulher como do indivíduo concebido não nascido",
disse a deputada do PAN Paula
Soto. "O aborto legal ou ilegal é
uma prática invasiva ao corpo
da mulher, que gera conseqüências e seqüelas", afirmou.
Calderón
Embora o PAN seja o partido
do atual presidente mexicano,
Felipe Calderón, ainda há dúvidas entre analistas se ele pode
ser considerado derrotado
também. Calderón não falou
publicamente sobre o tema
-só a primeira-dama o fez,
condenando o aborto.
A questão da interrupção voluntária da gravidez divide os
mexicanos. Na capital, 53%
apóiam o direito ao aborto, e
43% são contra. No país, porém, a descriminalização perde
por 57% a 38%. A pesquisa foi
publicada ontem pelo jornal
mexicano "Reforma".
Apesar da derrota, para os setores contrários ao aborto a votação de ontem foi apenas um
round. O grupo, com a participação do Colégio de Advogados
Católicos, diz ter colhido assinaturas suficientes para que a
nova legislação seja submetida
a um referendo. Outra opção
estudada é pedir que o governo
Calderón questione a nova regra na Corte Suprema.
Com agências internacionais
Próximo Texto: "É uma questão de saúde pública, não de moralidade", diz deputado do PRD Índice
|