São Paulo, quarta-feira, 25 de abril de 2007

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Cidade do México descriminaliza aborto

Decisão, inédita no país e rara na região, foi tomada pela Assembléia local por 46 votos a 19 e vale para hospitais públicos

Manifestantes pró e contra direito ao aborto tomaram ruas da capital mexicana; Igreja Católica fez oposição, com apoio do papa Bento 16

DA REDAÇÃO

Com o prédio cercado por forças de segurança e por manifestantes pró e contra o aborto, a Assembléia Legislativa da Cidade do México aprovou ontem, por 46 votos a favor e 19 contra, a lei que descriminaliza a interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana de gestação na capital.
A decisão é histórica. Na América Latina e no Caribe, só Cuba e Guiana têm uma legislação similar à aprovada ontem pelos deputados da capital mexicana. Os legisladores debatiam ainda ontem subregulamentações da nova legislação.
Pela lei, qualquer mulher que queira fazer um aborto, por motivos financeiros ou familiares, poderá solicitar o serviço em hospitais públicos da Cidade do México, onde vivem 8,6 milhões de pessoas.
Antes, assim como no Brasil, era possível interromper a gravidez em caso de risco de morte da mãe ou estupro -regra que continua a valer para o resto do país. Na capital, era também legal fazer o aborto em caso de "inseminação artificial não desejada" e malformação do feto.
"As mulheres da capital não estão sós. O México é um Estado laico", disse na tribuna a deputada Letícia Quezada, do esquerdista PRD (Partido da Revolução Democrática), num discurso que mesclou defesa das liberdades individuais das mulheres e duros ataques à Igreja Católica.
A Igreja e grupos católicos lideraram, nas últimas semanas, uma campanha intensa contra a medida -num país onde 92% da população se diz católica, inclusive a maioria dos legisladores do PRD. Houve participação direta do papa Bento 16, que na semana passada enviou uma carta à Conferência do Episcopado Mexicano, apoiando a condenação à descriminalização do aborto.
Um bispo comparou os legisladores pró-aborto aos nazistas e um outro bispo repetiu ontem que excomungará todos os legisladores que votaram a favor da mudança.
A discussão acendeu um debate nacional entre religiosos, políticos e feministas -que exibem números do governo da cidade que estimam a morte de 1.500 mulheres por ano na cidade por complicações em abortos clandestinos.
Artistas e intelectuais também se posicionaram. Um dos ídolos máximos do país, o ator Roberto Bolaños, protagonista dos seriados "Chaves" e "Chapolin", apareceu em uma propaganda contra o aborto.
A modificação da lei foi uma proposta do enfraquecido Partido Revolucionário Institucional, no ano passado, e foi encampada pelo PRD (Partido da Revolução Democrática), do candidato derrotado à Presidência Andrés López Obrador.
Com 34 dos 66 votos da Assembléia, e ainda com ajuda do PRI e de partidos menores, o esquerdista PRD patrocinou a vitória -houve uma abstenção.
Do lado derrotado, ficou o conservador PAN (Partido da Ação Nacional), de fortes ligações com a Igreja Católica, que ontem pela manhã ainda tentou, sem sucesso, fazer passar uma medida regimental para impedir a votação.
"A Constituição reconhece plenamente o direito à vida tanto da mulher como do indivíduo concebido não nascido", disse a deputada do PAN Paula Soto. "O aborto legal ou ilegal é uma prática invasiva ao corpo da mulher, que gera conseqüências e seqüelas", afirmou.

Calderón
Embora o PAN seja o partido do atual presidente mexicano, Felipe Calderón, ainda há dúvidas entre analistas se ele pode ser considerado derrotado também. Calderón não falou publicamente sobre o tema -só a primeira-dama o fez, condenando o aborto.
A questão da interrupção voluntária da gravidez divide os mexicanos. Na capital, 53% apóiam o direito ao aborto, e 43% são contra. No país, porém, a descriminalização perde por 57% a 38%. A pesquisa foi publicada ontem pelo jornal mexicano "Reforma".
Apesar da derrota, para os setores contrários ao aborto a votação de ontem foi apenas um round. O grupo, com a participação do Colégio de Advogados Católicos, diz ter colhido assinaturas suficientes para que a nova legislação seja submetida a um referendo. Outra opção estudada é pedir que o governo Calderón questione a nova regra na Corte Suprema.


Com agências internacionais


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