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Vulcão proporciona catarse à Islândia
Erupção que gerou nuvem responsável pelo caos aéreo na Europa pode prenunciar fenômeno parecido em vulcão bem maior
No passado, Eyjafjallajökull
sempre foi gatilho do Katla,
mas especialista islandês
em atividade vulcânica nega
uma correlação automática
ANDREW WARD
DO "FINANCIAL TIMES", EM VIK
À beira de uma profunda garganta que se precipita das montanhas nevadas em direção ao
Atlântico, a cidade de Vik tem
uma das mais perigosas localizações da Islândia.
A praia formada por areia
vulcânica negra, despejada pelo
vulcão Katla, é prova do problema. O Katla é o vizinho maior e
mais poderoso do vulcão de Eyjafjallajökull, cuja erupção na
semana passada paralisou o
transporte aéreo na Europa.
Como um dos mais ativos
vulcões da Islândia, o Katla já
deveria ter passado por nova
erupção, a julgar pelas tendências passadas. Alguns geofísicos
temem que a erupção do Eyjafjallajökull possa servir como
gatilho. A cada vez que o Eyjafjallajökull passou por uma
erupção, nos últimos mil anos,
o Katla o seguiu pouco depois.
Para muitos islandeses, o
despertar das forças subterrâneas de sua ilha representa
uma catarse, enquanto o país
tenta encarar as consequências
da crise bancária de 2008, que
arruinou sua economia.
Depois de um período no
qual a Islândia se transformou
em uma espécie de gigantesco
fundo de capital especulativo, a
erupção vulcânica parece marcar o retorno de uma ordem
mais natural a este país de 320
mil pessoas, posicionado sobre
uma das mais ativas falhas geológicas do planeta.
"[A erupção] ajudou a restaurar um senso de solidariedade,
depois da introspecção trazida
pela crise", diz Egill Helgason,
um dos mais conhecidos apresentadores de TV do país.
Olafur Grimsson, presidente
da Islândia, afirmou dias atrás
que "o momento de erupção do
Katla está chegando". Em entrevista à emissora BBC, ele
alertou governos europeus e
autoridades de transporte aéreo a já se prepararem.
Grimsson foi acusado de ser
propagador de más notícias, e o
setor de turismo teme a possibilidade de que o alerta apocalíptico mantenha os visitantes
longe do país.
Pall Einarsson, especialista
em vulcões na Universidade da
Islândia, afirma que, embora o
Eyjafjallajökull possa despertar novamente seu vizinho, não
existe conexão direta entre os
dois e tampouco indicações de
que o Katla esteja despertando.
"Só porque alguma coisa
aconteceu no passado não significa que terá o mesmo comportamento no futuro", disse.
A escala de uma potencial
erupção também está em dúvida, já que o Katla é capaz de toda espécie de erupções, de "catastróficas" a relativamente benignas, segundo Einarsson.
Embora as consequências de
uma grande erupção possam se
espalhar para muito além da Islândia, os 300 moradores de
Vik são os mais preocupados.
Caso magma comece a se
derramar por sob a geleira de
Myrdalsjokull, que coroa o vulcão, o dilúvio de neve derretida
representaria ameaça de destruição para a cidade. Uma
igreja caiada de branco, posicionada do lado do vale, é uma
das poucas edificações consideradas como seguras.
Ivar Pall Bjartmarsson, chefe
do serviço voluntário de bombeiros da cidade, encara o risco
de forma fleumática. "Vivemos
com essa ameaça durante todas
as nossas vidas, e, portanto, ela
não nos assusta muito", diz.
A erupção do Eyjafjallajökull
foi relativamente pequena pelos padrões islandeses, mas terminou por prejudicar o tráfego
aéreo devido à composição fina
das cinzas vulcânicas e aos fortes ventos oeste.
Uma coluna de cinzas e fumaça continua a se projetar do
vulcão, mas a intensidade se reduziu, e as cinzas já não estão
sendo conduzidas às correntes
de vento em altitude elevada
que inicialmente as transportavam para os céus da Europa.
O aeroporto de Reykjavík fechou pela primeira vez depois
da erupção na sexta-feira, devido a uma mudança no padrão
dos ventos, mas a maior parte
da ilha continua inalterada.
Revolução Francesa
Não é a primeira vez que a ira
da Islândia se fez sentir em
áreas distantes do país. A erupção do vulcão Laki, em 1789,
causou problemas agrícolas em
toda a Europa. Historiadores
dizem que a crise pode ter ajudado a criar as condições políticas que resultaram na Revolução Francesa.
Em Vik, Bjartmarsson diz
que o resto do mundo terá de
aprender a conviver com vulcões como o de sua cidade.
"Não me sinto orgulhoso pelas
perturbações, mas tampouco
me sinto culpado", diz. "É só a
natureza, e pessoa alguma pode
fazer algo a respeito".
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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