São Paulo, domingo, 25 de abril de 2010

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Vulcão proporciona catarse à Islândia

Erupção que gerou nuvem responsável pelo caos aéreo na Europa pode prenunciar fenômeno parecido em vulcão bem maior

No passado, Eyjafjallajökull sempre foi gatilho do Katla, mas especialista islandês em atividade vulcânica nega uma correlação automática

ANDREW WARD
DO "FINANCIAL TIMES", EM VIK

À beira de uma profunda garganta que se precipita das montanhas nevadas em direção ao Atlântico, a cidade de Vik tem uma das mais perigosas localizações da Islândia.
A praia formada por areia vulcânica negra, despejada pelo vulcão Katla, é prova do problema. O Katla é o vizinho maior e mais poderoso do vulcão de Eyjafjallajökull, cuja erupção na semana passada paralisou o transporte aéreo na Europa.
Como um dos mais ativos vulcões da Islândia, o Katla já deveria ter passado por nova erupção, a julgar pelas tendências passadas. Alguns geofísicos temem que a erupção do Eyjafjallajökull possa servir como gatilho. A cada vez que o Eyjafjallajökull passou por uma erupção, nos últimos mil anos, o Katla o seguiu pouco depois.
Para muitos islandeses, o despertar das forças subterrâneas de sua ilha representa uma catarse, enquanto o país tenta encarar as consequências da crise bancária de 2008, que arruinou sua economia.
Depois de um período no qual a Islândia se transformou em uma espécie de gigantesco fundo de capital especulativo, a erupção vulcânica parece marcar o retorno de uma ordem mais natural a este país de 320 mil pessoas, posicionado sobre uma das mais ativas falhas geológicas do planeta.
"[A erupção] ajudou a restaurar um senso de solidariedade, depois da introspecção trazida pela crise", diz Egill Helgason, um dos mais conhecidos apresentadores de TV do país. Olafur Grimsson, presidente da Islândia, afirmou dias atrás que "o momento de erupção do Katla está chegando". Em entrevista à emissora BBC, ele alertou governos europeus e autoridades de transporte aéreo a já se prepararem.
Grimsson foi acusado de ser propagador de más notícias, e o setor de turismo teme a possibilidade de que o alerta apocalíptico mantenha os visitantes longe do país.
Pall Einarsson, especialista em vulcões na Universidade da Islândia, afirma que, embora o Eyjafjallajökull possa despertar novamente seu vizinho, não existe conexão direta entre os dois e tampouco indicações de que o Katla esteja despertando.
"Só porque alguma coisa aconteceu no passado não significa que terá o mesmo comportamento no futuro", disse. A escala de uma potencial erupção também está em dúvida, já que o Katla é capaz de toda espécie de erupções, de "catastróficas" a relativamente benignas, segundo Einarsson.
Embora as consequências de uma grande erupção possam se espalhar para muito além da Islândia, os 300 moradores de Vik são os mais preocupados.
Caso magma comece a se derramar por sob a geleira de Myrdalsjokull, que coroa o vulcão, o dilúvio de neve derretida representaria ameaça de destruição para a cidade. Uma igreja caiada de branco, posicionada do lado do vale, é uma das poucas edificações consideradas como seguras.
Ivar Pall Bjartmarsson, chefe do serviço voluntário de bombeiros da cidade, encara o risco de forma fleumática. "Vivemos com essa ameaça durante todas as nossas vidas, e, portanto, ela não nos assusta muito", diz.
A erupção do Eyjafjallajökull foi relativamente pequena pelos padrões islandeses, mas terminou por prejudicar o tráfego aéreo devido à composição fina das cinzas vulcânicas e aos fortes ventos oeste.
Uma coluna de cinzas e fumaça continua a se projetar do vulcão, mas a intensidade se reduziu, e as cinzas já não estão sendo conduzidas às correntes de vento em altitude elevada que inicialmente as transportavam para os céus da Europa.
O aeroporto de Reykjavík fechou pela primeira vez depois da erupção na sexta-feira, devido a uma mudança no padrão dos ventos, mas a maior parte da ilha continua inalterada.

Revolução Francesa
Não é a primeira vez que a ira da Islândia se fez sentir em áreas distantes do país. A erupção do vulcão Laki, em 1789, causou problemas agrícolas em toda a Europa. Historiadores dizem que a crise pode ter ajudado a criar as condições políticas que resultaram na Revolução Francesa. Em Vik, Bjartmarsson diz que o resto do mundo terá de aprender a conviver com vulcões como o de sua cidade. "Não me sinto orgulhoso pelas perturbações, mas tampouco me sinto culpado", diz. "É só a natureza, e pessoa alguma pode fazer algo a respeito".


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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