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Sudão incuba o país mais pobre do mundo
Região sul, que deve votar pela independência em menos de um ano, tem condições precárias, mas possui jazidas inexploradas de petróleo
Plebiscito sobre separação é item mais polêmico de pacto de paz assinado em 2005, interrompendo conflito que matou 2 milhões desde 1983
FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A JUBA (SUDÃO)
Em menos de um ano, Juba,
cidade que cresce desordenadamente na selva sudanesa, deve virar capital de um novo país
ou centro de outra guerra africana. Possivelmente, ambos.
Certo é que o novo país, se as
expectativas se confirmarem e
o plebiscito sobre a independência for aprovado em janeiro, já nascerá o mais pobre do
mundo. A previsão é da ONU.
"Mesmo para os padrões africanos, o que se vê aqui é assustador", diz Lise Grande, coordenadora da operação humanitária da ONU nos dez Estados
do sul do Sudão que formariam
o novo país. O atual Sudão perderia 25% de sua área.
Mais de 90% dos 10 milhões
de habitantes vivem abaixo da
linha de pobreza. Apenas 10%
das crianças são vacinadas. Virtualmente todas as mulheres
(92%) são analfabetas.
Cerca de 45% da população
não tem comida suficiente,
sendo 18% em "risco crítico" de
desnutrição. A região, que faz
fronteira com a Etiópia, ganhou da ONU o título de "capital mundial da fome".
"Se a próxima colheita falhar
como as últimas, é muito provável que teremos uma grande
crise de fome", afirma Grande.
A fome pode chegar junto com a independência, portanto.
Os indicadores dramáticos
são resultado de décadas de isolamento geográfico e esquecimento por parte do governo
central do Sudão, majoritariamente árabe.
O plebiscito é o item mais polêmico do acordo de paz assinado em 2005 entre Cartum e rebeldes do Movimento de Libertação do Povo Sudanês, representante do sul, etnicamente
negro. Os dois lados lutavam
desde 1983, num conflito que
deixou 2 milhões de mortos.
O presidente do Sudão, Omar
al Bashir, promete respeitar o
resultado da consulta, em que
todas as apostas são de vitória
da independência, mas um
componente comum em guerras africanas atrapalha esse
prognóstico: o petróleo. O sul é
rico em jazidas inexploradas.
Não há pesquisas de opinião,
mas nas ruas é difícil encontrar
quem seja contra a separação.
"Queremos ser livres para administrar nossos recursos, como fazem todos os países", afirma Malisi Wilson, 25, carpinteiro, numa favela que brotou
nas últimas semanas em frente
à sede do governo regional.
Adicione-se a isso o aumento
da violência. Em 2009, 392 mil
pessoas tornaram-se "refugiados internos" em razão de disputas tribais. Até março de
2010, foram mais 70 mil.
O sul do Sudão, assim, tem
todos os ingredientes para ser
mais um "Estado falido".
O termo maldito ainda é dito
em voz baixa e com muito cuidado pela grande família de
ONGs e organismos multilaterais presentes em Juba. Mas todos sabem do risco.
A vizinhança não ajuda. Partindo do noroeste, há um arco
de instabilidade formado pela
região sudanesa de Darfur, República Centro-Africana, República Democrática do Congo,
o norte de Uganda (base de
operações do Exército de Resistência do Senhor, famoso
por sequestrar crianças e escravizá-las) e o Quênia, não mais
um bastião de estabilidade.
Com 10 mil pessoas na área, a
ONU promete ficar para evitar
o pior. "O sul do Sudão precisará de assistência por 15 ou 20
anos", diz David Gressly, coordenador regional da missão.
FOLHA ONLINE
Sul se arma para eventual
novo conflito com o Norte
www.folha.com.br/1011326
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