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BALANÇO
Ofensiva que deveria ser uma guerra-relâmpago já dura um mês, e aliança busca meios para chegar a vitória incontestável
Otan tenta converter fracasso em sucesso
KENNEDY ALENCAR
enviado especial a Belgrado
A Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) comemora 50 anos
patrocinando
uma operação
militar politicamente desastrada. Errou ao subestimar a habilidade do ditador Slobodan Milosevic e ao superestimar
a força da campanha aérea, crendo
que ela bastaria para dobrar Belgrado rapidamente.
Em um mês de guerra, a inabilidade da aliança militar ocidental,
que falava numa ofensiva de "duas
ou três semanas", e a intransigência oportunista de Milosevic provocaram as seguintes consequências: a Otan perdeu mais do que ganhou, e Milosevic ganhou mais do
que perdeu.
A Iugoslávia e seus habitantes,
sejam eles sérvios ou kosovares de
etnia albanesa, foram os maiores
perdedores. A indústria bélica
norte-americana ganhou disparado -nunca esteve tão aquecida. O
custo total do ataque da Otan pode
atingir US$ 8 bilhões.
Aplica-se ao regime do ditador
iugoslavo uma versão da máxima
do colega brasileiro Emílio Garrastazu Médici (69-74), que disse, em
70: "A economia vai bem, mas o
povo vai mal". Na Iugoslávia, pode-se falar: "O governo vai bem,
mas o povo vai mal".
A atitudes da Otan e de Milosevic
empurram a Iugoslávia para um
gueto econômico e político. Os iugoslavos vêem a infra-estrutura do
país ser destruída e, com ela, a
perspectiva de um futuro melhor.
Milosevic tem manipulado o nacionalismo sérvio para se perpetuar no poder. Aproveitou o ataque da Otan para expulsar e matar
a minoria de etnia albanesa.
Até agora, a maioria da população não atribui a ele nenhuma culpa pelo conflito. Resta saber se a
intensificação dos ataques a Belgrado, de uma semana para cá, podem mudar esse sentimento. Milosevic começa a perder ao ver os pilares de seu poder econômico e político serem bombardeados (empresas de familiares e a sede seu
partido, por exemplo).
Perderam os kosovares de etnia
albanesa, que a Otan não conseguiu proteger, o que era o seu objetivo principal. As multidões de refugiados mostram que o sofrimento só aumentou. A ONU diz que
mais de 700 mil refugiados já cruzaram as fronteiras desde o início
dos bombardeios.
Não bastasse a hipocrisia de uma
organização que tem a Turquia como membro falar em direitos humanos (a minoria curda é reprimida lá), os 19 países da Otan tentam
esconder o fracasso com discursos
como os de Bill Clinton e de Tony
Blair. É uma cretinice o presidente
norte-americano e o premiê britânico dizerem que o bombardeio
não é co-responsável pelas massas
de refugiados.
A aliança militar ocidental começou uma guerra com a premissa de
que seus soldados não poderiam
morrer, decidindo atacar apenas
pelo ar uma Província de um país
soberano. Esqueceu-se de que, lá
no chão, as pessoas que visava proteger encontrariam soldados inimigos e bem armados.
Os sérvios perderam porque devem ficar mais pobres em um país
que vive em crise política e econômica há quase uma década. No início dos anos 90, Eslovênia, Croácia
e Macedônia, repúblicas que compunham a antiga Iugoslávia, declararam independência.
Em 95, um quarta república, a
Bósnia, virou uma espécie de protetorado internacional da ONU.
Hoje, a Iugoslávia é composta pela
pequena Montenegro e a Sérvia.
Agrava a situação dos iugoslavos
o fato de o país não ter cultura democrática. Com um governo que
controla a mídia, a propaganda só
faz insuflar o nacionalismo. Está
criado um ambiente autoritário
fértil para salvadores da pátria.
Em Belgrado, é comum ouvir a
pergunta: "Que tipo de democracia é esta, a do Ocidente, que joga
bombas sobre civis?". Extremistas
nacionalistas tiram proveito, fazendo renascer o sentimento anti-Ocidente.
Qualquer que seja a solução para
a crise em Kosovo, a Iugoslávia pagará um preço alto. Certamente, as
próximas gerações não voltarão a
viver no país que tinha a melhor
qualidade de vida do Leste Europeu até o começo dos anos 90.
Para a Otan fica evidente a necessidade de uma vitória incontestável, devido ao fracasso da ofensiva
que deveria ser uma guerra-relâmpago. Por mais que queira evitar, a
aliança terá de considerar cada vez
mais a hipótese de enviar tropas
terrestres a Kosovo. Com cerca de
43 mil soldados iugoslavos na Província, uma guerra por terra certamente se transformaria em um novo Vietnã para os EUA.
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