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REVOLUÇÃO DOS CRAVOS
Em abril de 74, conspiração de jovens capitães livrou o país do fascismo e de uma guerra colonial de 13 anos
"Românticos" salvaram Portugal do atraso
RUI NOGUEIRA
da Sucursal de Brasília
A falta de coragem para prender
e fuzilar os colegas de conspiração,
por causa dos muitos anos de convivência e camaradagem na tropa,
e a confusão ideológica que transformou os jovens capitães em românticos armados legaram a Portugal a democracia que a população festeja hoje, passados 25 anos
da Revolução dos Cravos.
Dois dos jovens capitães e dois
professores universitários ouvidos
pela Folha são unânimes na resposta à pergunta sobre a herança
da madrugada do dia 25 de abril de
74: citam o regime de liberdade,
que pôs fim a 48 anos de fascismo e
a uma guerra colonial de 13 anos.
Para o historiador brasileiro Luiz
Felipe de Alencastro, a persistência de um grupo de capitães e políticos, que contemporizou com os
exageros revolucionários da época, mas não abriu mão da representatividade definida pela via
eleitoral, livrou Portugal de se tornar uma republiqueta européia.
"Uma Albânia", que teria, depois, de derrubar "um muro de
Berlim", resume Alencastro.
"Naquela manhã e naqueles dois
anos (74 e 75) de debates e embates, nós não apenas fizemos o melhor como também fizemos o que
era possível", disse à Folha o tenente-coronel Vítor Alves, 63, um
dos três líderes da conspiração militar iniciada em setembro de 73.
Alves e Vasco Lourenço, 56, formavam com Otelo Saraiva de Carvalho, 62, o triunvirato que pensou, organizou e pôs em marcha o
golpe militar. Os dois primeiros representavam o grupo (majoritário) comprometido com o ideário
básico dos capitães, resumido à
Folha por Alves: "Democratizar,
descolonizar e desenvolver".
O mais destacado político nessa
corrente foi Mário Soares, líder
dos socialistas. Álvaro Cunhal, líder dos comunistas, combateu o
esquerdismo, mas sempre aguardou a oportunidade de fugir à democracia burguesa.
Com a Revolução dos Cravos nas
ruas, Otelo e outros capitães tentaram uma experiência inédita. Em
vez da representatividade da democracia burguesa, sonharam
com "assembléias populares e comissões de trabalhadores" como
órgãos decisórios, disse ele ao semanário português "Expresso".
Entre os jovens capitães, que batizaram a ação de Movimento das
Forças Armadas, havia ainda os
que sonhavam com democracias
populares -eufemismo para a
implantação de regimes comunistas, nos moldes dos países do Leste
Europeu, à época ainda a 15 anos
da queda do Muro de Berlim e gozando de algum prestígio.
O romantismo que permeava a
miscelânea ideológica não forneceu o combustível necessário à implantação de um regime pela força,
o que levaria à guerra civil. Esse era
o limite, como diz Otelo.
Vasco Lourenço lista no legado
da Revolução dos Cravos o fim do
"isolamento" português. Ele não
mudaria nada se voltasse no tempo. "Lutamos por valores, logo tudo seria feito com os mesmos princípios e nada seria diferente."
Lourenço, Alves e Otelo ficaram
do mesmo lado quando a direita,
derrotada em pelo menos duas
oportunidades (setembro de 74 e
março de 75), tentou à força abafar
a revolução. Como disse o general
Costa Gomes, presidente na transição, talvez "o povo não tenha votado no que queriam os puristas,
mas o povo declarou vigorosamente o que não queria".
Para o historiador americano Samuel Huntington, a Revolução dos
Cravos deflagrou a terceira onda
de democratizações -as duas outras foram no século 19 e após a Segunda Guerra. De 74 a 90, três dezenas de países se democratizaram. Na sequência de Portugal,
caiu o regime franquista espanhol
e a ditadura dos coronéis gregos.
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