São Paulo, Domingo, 25 de Abril de 1999
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REVOLUÇÃO DOS CRAVOS
Em abril de 74, conspiração de jovens capitães livrou o país do fascismo e de uma guerra colonial de 13 anos
"Românticos" salvaram Portugal do atraso

RUI NOGUEIRA
da Sucursal de Brasília

A falta de coragem para prender e fuzilar os colegas de conspiração, por causa dos muitos anos de convivência e camaradagem na tropa, e a confusão ideológica que transformou os jovens capitães em românticos armados legaram a Portugal a democracia que a população festeja hoje, passados 25 anos da Revolução dos Cravos.
Dois dos jovens capitães e dois professores universitários ouvidos pela Folha são unânimes na resposta à pergunta sobre a herança da madrugada do dia 25 de abril de 74: citam o regime de liberdade, que pôs fim a 48 anos de fascismo e a uma guerra colonial de 13 anos.
Para o historiador brasileiro Luiz Felipe de Alencastro, a persistência de um grupo de capitães e políticos, que contemporizou com os exageros revolucionários da época, mas não abriu mão da representatividade definida pela via eleitoral, livrou Portugal de se tornar uma republiqueta européia.
"Uma Albânia", que teria, depois, de derrubar "um muro de Berlim", resume Alencastro.
"Naquela manhã e naqueles dois anos (74 e 75) de debates e embates, nós não apenas fizemos o melhor como também fizemos o que era possível", disse à Folha o tenente-coronel Vítor Alves, 63, um dos três líderes da conspiração militar iniciada em setembro de 73.
Alves e Vasco Lourenço, 56, formavam com Otelo Saraiva de Carvalho, 62, o triunvirato que pensou, organizou e pôs em marcha o golpe militar. Os dois primeiros representavam o grupo (majoritário) comprometido com o ideário básico dos capitães, resumido à Folha por Alves: "Democratizar, descolonizar e desenvolver".
O mais destacado político nessa corrente foi Mário Soares, líder dos socialistas. Álvaro Cunhal, líder dos comunistas, combateu o esquerdismo, mas sempre aguardou a oportunidade de fugir à democracia burguesa.
Com a Revolução dos Cravos nas ruas, Otelo e outros capitães tentaram uma experiência inédita. Em vez da representatividade da democracia burguesa, sonharam com "assembléias populares e comissões de trabalhadores" como órgãos decisórios, disse ele ao semanário português "Expresso".
Entre os jovens capitães, que batizaram a ação de Movimento das Forças Armadas, havia ainda os que sonhavam com democracias populares -eufemismo para a implantação de regimes comunistas, nos moldes dos países do Leste Europeu, à época ainda a 15 anos da queda do Muro de Berlim e gozando de algum prestígio.
O romantismo que permeava a miscelânea ideológica não forneceu o combustível necessário à implantação de um regime pela força, o que levaria à guerra civil. Esse era o limite, como diz Otelo.
Vasco Lourenço lista no legado da Revolução dos Cravos o fim do "isolamento" português. Ele não mudaria nada se voltasse no tempo. "Lutamos por valores, logo tudo seria feito com os mesmos princípios e nada seria diferente."
Lourenço, Alves e Otelo ficaram do mesmo lado quando a direita, derrotada em pelo menos duas oportunidades (setembro de 74 e março de 75), tentou à força abafar a revolução. Como disse o general Costa Gomes, presidente na transição, talvez "o povo não tenha votado no que queriam os puristas, mas o povo declarou vigorosamente o que não queria".
Para o historiador americano Samuel Huntington, a Revolução dos Cravos deflagrou a terceira onda de democratizações -as duas outras foram no século 19 e após a Segunda Guerra. De 74 a 90, três dezenas de países se democratizaram. Na sequência de Portugal, caiu o regime franquista espanhol e a ditadura dos coronéis gregos.


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