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Com programa em farsi, Israel ganha ouvintes no Irã
Programa
transmitido de
Jerusalém no
idioma iraniano
tem audiência
cativa na República
Islâmica, para
desgosto do regime
MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM
Transmitido de um pequeno estúdio em Jerusalém
-provavelmente um dos
poucos lugares do mundo
em que bandeiras de Israel e
do Irã convivem em harmonia-, um programa de rádio
faz semanalmente o que parece impossível: conecta iranianos e israelenses.
Para desgosto dos líderes
do regime iraniano, o serviço
em farsi da rádio pública de
Israel conquistou audiência
considerável no Irã, onde internet, TV e outras mídias estão sob censura.
O incômodo chegou a tal
ponto que o líder supremo do
país, Ali Khamenei, disse em
sermão que a "rádio sionista" incita divisões entre o povo e a República Islâmica.
Menashe Amir, um israelense nascido no Irã que
apresenta o programa há 50
anos, não disfarça o sorriso
orgulhoso ao falar sobre a penetração que suas palavras
alcançam no país.
Ele conta que, há anos, parou de telefonar para o Irã,
porque sua voz se tornou conhecida e poderia colocar em
apuros suas fontes, caso o regime estivesse grampeando
a ligação. "Mas conseguimos
fazer um noticiário bastante
abrangente sobre o que
acontece no Irã, e os iranianos reconhecem que somos
bastante confiáveis."
O programa em farsi do
Kol Israel, serviço público israelense de rádio, teve início
em 1957, quando o então premiê, David Ben-Gurion,
apostava numa aliança estratégica com Irã, Turquia e
Etiópia.
Amir, que chegou ao programa três anos depois, lembra que, na época, Israel e Irã
mantinham sólidas relações
diplomáticas e que o objetivo
do serviço em farsi era aproximar os dois países.
Tudo mudou com a Revolução Islâmica, em 1979,
quando Israel passou a ser
satanizado pelo regime iraniano. "Nosso papel sofreu
uma mudança de 180 graus",
conta Amir. "Passamos a
mostrar aos iranianos o que
acontece no país deles."
O radialista não gosta da
palavra propaganda, que para ele exala um odor de lavagem cerebral soviética.
Descreve seu programa como algo entre o jornalismo e
a diplomacia pública, e não
hesita em reconhecer que
seu papel é defender as posições de Israel. Mas insiste em
que seu maior objetivo continua a ser a aproximação bilateral. "Irã e Israel são aliados
naturais, e espero que voltem
a ser amigos."
Amir lembra uma entrevista concedida nos anos 1980
pela mulher do aiatolá Khomeini em que ela dizia que o
pai da Revolução Islâmica
não perdia seu programa.
Hoje, estima que a audiência no Irã esteja entre 2 milhões e 6 milhões, algo difícil
de comprovar.
NO AR
A Folha acompanhou a
transmissão de um programa
de domingo, quando ouvintes falam por telefone com
Amir. Como a ligação entre
os dois países é impossível,
os ouvintes que vivem no Irã
usam um número na Alemanha, que direciona as chamadas para o pequeno estúdio de Jerusalém.
"Ouvimos gente contra e a
favor do regime", diz Amir,
70, homem de fala e modos
suaves, no estúdio decorado
com recortes de artistas iranianos e caricaturas do presidente Mahmoud Ahmadinejad. "A única coisa que não
permitimos é que falem contra qualquer religião."
Para ele, a aplicação de
sanções que paralisem totalmente o regime iraniano é a
única forma de derrubar o regime atual. Ele calcula que
ao menos 60% dos iranianos
são contra o atual governo.
"Percebo muito desespero
nas pessoas que ligam para o
programa, porque a repressão é inclemente", diz Amir.
"Mas acho que a maioria
aguentaria sanções dolorosas se isso significasse o fim
do regime."
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