São Paulo, Domingo, 25 de Julho de 1999
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Democracia ou Autoritarismo?

CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial

O presidente da Venezuela, coronel Hugo Chávez Frías, joga hoje a grande cartada de seu mandato, na forma de eleição para uma Assembléia Constituinte de 131 membros.
Chávez transformou a Constituinte na pedra de toque de seu projeto de refundar a República venezuelana.
O objetivo declarado da Constituinte é o de ampliar os poderes do Executivo, criar o direito de reeleição do presidente, dissolver o Congresso e o Supremo Tribunal de Justiça - ou seja, de fato refundar as instituições.
O eleitorado venezuelano aprovou, com grande folga, a convocação da Constituinte.
Aprovação de resto lógica, como diz Luis Luengo, professor da Universidade Católica Andrés Bello. "Se as organizações mais desprestigiadas aos olhos do público são o Congresso e os partidos políticos, e justamente contra eles o presidente aponta suas baterias, basta somar dois e dois que dá quatro", afirma Luengo.
É importante notar que, para as eleições de hoje, os candidatos se apresentam individualmente, e não em representação dos partidos políticos.
O problema começa na passagem da teoria à prática: congelar uma instituição desprestigiada como o Congresso e atropelar os partidos políticos traz o risco de "criar uma grave insegurança institucional", como diz o constitucionalista Gerardo Fernández.
De fato, se for mesmo dissolvido o Congresso, a Constituinte ficará com a responsabilidade de, ao mesmo tempo, elaborar a nova Constituição e assumir os trabalhos legislativos ordinários do corpo a ser dissolvido, sem contar a tarefa judicial, se também a Corte Suprema for extinta.
Nesse vácuo institucional, a instituição da Presidência ganhará poderes extraordinários.
O segundo problema virá dos resultados eleitorais. Se os partidários de Chávez tiverem maioria, a Constituinte tende a ser um mero apêndice do Executivo.
Mas, se os adversários de Chávez forem maioria, cria-se fatalmente um confronto de poderes que só tenderá a aumentar a já forte militarização do Executivo (leia texto à pág 1-16).
O vazio institucional previsível é incompatível com a necessidade de medidas econômicas para reativar um país prostrado por anos de decadência. Até o diretor do Banco Central venezuelano, Domingo Maza Zavala, diz que não dá para esperar a promulgação da nova Constituição para tomar medidas de reativação.
Chávez até já anunciou um programa de investimentos públicos de US$ 1 bilhão, como forma de estimular uma economia que, este ano, deve registrar uma contração de entre 3% e 4%, nos cálculos do ministro de Finanças, José Alejandro Rojas.
As entidades empresariais reagiram negativamente ao anúncio do plano, por considerá-lo inflacionário, ao aumentar os gastos de um governo com déficit já bastante elevado.
Para a maioria da população, o importante é que a Constituinte aponte caminhos para reverter a contínua queda no poder de compra. Só nos primeiros seis meses deste ano, a renda real (descontada a inflação) caiu 3,85%, mas os segmentos mais pobres (classes D e E) sofreram retrocessos ainda maiores, acima de 5%.
Se conseguir reverter o quadro, o autoritarismo de Chávez tende a ganhar respaldo popular. Na hipótese inversa, os riscos do vazio institucional serão exponenciais.


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