São Paulo, domingo, 25 de agosto de 2002

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Brasileiro relata prisão na Argentina

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

A história do jornalista Paulo Antônio de Paranaguá, 53, ajuda um pouco a contar como se deu, na década de 70, o acordo secreto entre os regimes militares do Brasil e da Argentina para "caçar e eliminar" conjuntamente militantes de esquerda nos dois países.
Paranaguá é citado em um dos documentos do Departamento de Estado norte-americano revelados na semana passada que mostram como os dois regimes, com a conivência do governo dos Estados Unidos, colocaram em prática essa união.
Nos documentos, há referências à prisão dele, de sua ex-mulher, Maria Regina Jacob Pilla, e da brasileira Maria Regina Marcondes Pinto.
Seu nome aparece por causa de um pedido do pai, Paulo Henrique Paranaguá, embaixador brasileiro no Kuait em 1976.
O diplomata requisitou a interferência do senador norte-americano Edward Kennedy (democrata) para que o governo argentino liberasse o filho e Maria Regina Pilla, presos em 1975, meses antes do golpe militar argentino de 1976.
No Brasil, ele militava na 4ª Internacional Comunista, enquanto sua então mulher era do POC (Partido Operário Comunista). O casal foi para a Argentina fugindo do regime militar. Lá, também passou a militar em grupos de esquerda.
Hoje, Paranaguá é jornalista, autor de livros sobre o cinema latino-americano e mora em Paris. Está de férias no Rio, onde conversou, em seu apartamento, com a Folha.

Desinteresse do Brasil
O fato de o pai ter pedido a ajuda de uma autoridade norte-americana e do governo francês mostra, segundo o ex-militante, o quanto as autoridades do Brasil estavam pouco interessadas em garantir os direitos básicos de brasileiros capturados por regimes militares em outros países da América Latina.
"Fomos não só abandonados pelo governo brasileiro, mas, de certa maneira, até mesmo negados em nosso direito mais elementar, que é o de ter um documento de viagem. Só saímos da prisão, em 1977, por causa da interferência do governo da França, onde eu tinha estudado. Foi uma autoridade do governo francês que me pegou na prisão para me levar até o aeroporto", conta Paranaguá.
No primeiro momento da prisão, um passaporte poderia significar a liberdade imediata para ele e a mulher. O dele havia sido destruído pelas autoridades argentinas.
"Fui preso antes do golpe militar. Eu e minha mulher na época fomos absolvidos em julgamento, mas continuamos presos por causa do estado de sítio que vigorava. A Constituição argentina permitia que as pessoas detidas nessa situação pudessem sair do país. Precisávamos, naquele momento, apenas dos nossos documentos para sair da prisão, mas não pudemos nos beneficiar desse direito. Fomos vítimas de uma medida absolutamente banal do regime militar brasileiro."

Troca de informações
Pelos interrogatórios a que foi submetido na prisão, principalmente depois que os militares assumiram o poder na Argentina, Paranaguá conclui que os governos brasileiro e argentino trocavam informações.
"Nos nossos interrogatórios, era muito visível que havia da parte das autoridades argentinas informações que devem ter sido fornecidas pelas autoridades brasileiras. Era evidente que os serviços de inteligência dos dois países tinham colocado em comum um certo número de informações e de dados a respeito das guerrilhas de esquerda", conta ele.


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