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ANÁLISE
Reformas alemãs esbarram no eleitor
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
A hegemonia das teorias neoliberais no planeta provocou, nas
eleições alemãs de domingo, um
fenômeno que seria apenas curioso, não fosse também alarmante:
criou-se a sensação de que o
chanceler Gerhard Schröder (social-democrata) é um perigoso
populista, um dinossauro político, incapaz de fazer as tais reformas que o mercado cobra sempre.
Primeiro, deixou-se de lado a
pergunta preliminar: a Alemanha
precisa de fato de reformas?
Se a resposta for pedida ao empresariado, será um sonoro
"sim". Uma pesquisa feita há seis
meses, apenas entre homens de
negócio, mostrou que, na ocasião,
73% deles (praticamente três de
cada quatro) preferiam Edmund
Stoiber, o candidato da democracia cristã, por ser, supostamente,
mais favorável e mais disposto a
fazer as tais reformas.
Mas, se a pergunta for feita ao
público em geral, a resposta será
exatamente a inversa. Até o jornal
"Die Zeit", favorável às reformas,
classifica a Alemanha de "uma sociedade que desenvolveu um conceito de barricada, avessa à modernização e à mudanças".
Não há o que estranhar nessa
"barricada": a Alemanha é o país
que concede o maior número de
dias de férias para seus trabalhadores (seis semanas por ano) e
que tem uma vastíssima rede de
proteção social.
Mais: o modelo alemão, batizado de "economia social de mercado", foi construído em conjunto
pelos dois grandes partidos que
dominam o governo desde a derrota na Segunda Guerra (1939/
45), o SPD (social-democracia) e a
CDU/CSU (democracia cristã,
sendo a segunda o seu braço na
Baviera).
Não há, portanto, um antagonismo entre eles na defesa do modelo.
Parte do modelo envolve a busca infatigável do consenso, até
dentro das empresas. Os trabalhadores da Volkswagen, por
exemplo, têm assento na direção
da companhia e dão palpites para
valer.
Mudar qualquer coisa em um
modelo tão querido e em um país
que fez da busca do consenso
uma obsessão nacional é obviamente uma tarefa nada fácil
-para Schröder ou para qualquer outro primeiro-ministro.
A questão seguinte é esta: o governo Schröder foi tão mal assim
que tornou mais urgentes as reformas que já estavam sendo discutidas na gestão anterior (do democrata-cristão Helmut Kohl)?
De novo, a resposta é enviesada
politicamente. As estatísticas podem ser usadas para amparar
qualquer argumento.
A Alemanha de Schröder cresceu pouco, dirão os fanáticos das
reformas. Mas cresceu mais, na
média dos quatro anos de Schröder, do que na média dos 16 anos
de Kohl.
Mesmo o desemprego, na altura
de 4 milhões de pessoas, pode ser
visto sob diferentes ângulos. Para
os pró-reforma, a rigidez da legislação trabalhista é que impede a
queda do desemprego.
Mas esse argumento omite dois
dados fundamentais: primeiro, o
desemprego na Alemanha seria
exatamente igual à média européia (8,3%) se fosse usada a metodologia da União Européia, em
vez da alemã, que puxa os números para cima.
Dois: na parte ocidental do país,
o desemprego é ainda mais baixo
(6%).
Ou seja, é razoável considerar a
hipótese de que o desemprego
elevado não seja culpa da rigidez
(ou apenas da rigidez), mas do estado falimentar em que foi incorporada à Alemanha a sua parte
oriental, após a falência do comunismo.
Aliás, o governo alemão inundou com 75 bilhões/ano, por
dez anos, a parte oriental, para
içá-la da falência, o que, obviamente, contribui para as dificuldades econômicas, tanto ou mais
que a falta de reformas.
Mas esses números jamais foram mencionados no pós-eleição,
sufocados pelo coro, insólito, de
que Schröder é um obstáculo para
o progresso da Alemanha, embora tenha sido reeleito. De duas,
uma: ou houve uma fraude eleitoral ou há mais opiniões sobre as
reformas que as emitidas pelos agentes de mercado.
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