São Paulo, quarta-feira, 25 de setembro de 2002

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ANÁLISE

Reformas alemãs esbarram no eleitor

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

A hegemonia das teorias neoliberais no planeta provocou, nas eleições alemãs de domingo, um fenômeno que seria apenas curioso, não fosse também alarmante: criou-se a sensação de que o chanceler Gerhard Schröder (social-democrata) é um perigoso populista, um dinossauro político, incapaz de fazer as tais reformas que o mercado cobra sempre.
Primeiro, deixou-se de lado a pergunta preliminar: a Alemanha precisa de fato de reformas?
Se a resposta for pedida ao empresariado, será um sonoro "sim". Uma pesquisa feita há seis meses, apenas entre homens de negócio, mostrou que, na ocasião, 73% deles (praticamente três de cada quatro) preferiam Edmund Stoiber, o candidato da democracia cristã, por ser, supostamente, mais favorável e mais disposto a fazer as tais reformas.
Mas, se a pergunta for feita ao público em geral, a resposta será exatamente a inversa. Até o jornal "Die Zeit", favorável às reformas, classifica a Alemanha de "uma sociedade que desenvolveu um conceito de barricada, avessa à modernização e à mudanças".
Não há o que estranhar nessa "barricada": a Alemanha é o país que concede o maior número de dias de férias para seus trabalhadores (seis semanas por ano) e que tem uma vastíssima rede de proteção social.
Mais: o modelo alemão, batizado de "economia social de mercado", foi construído em conjunto pelos dois grandes partidos que dominam o governo desde a derrota na Segunda Guerra (1939/ 45), o SPD (social-democracia) e a CDU/CSU (democracia cristã, sendo a segunda o seu braço na Baviera).
Não há, portanto, um antagonismo entre eles na defesa do modelo.
Parte do modelo envolve a busca infatigável do consenso, até dentro das empresas. Os trabalhadores da Volkswagen, por exemplo, têm assento na direção da companhia e dão palpites para valer.
Mudar qualquer coisa em um modelo tão querido e em um país que fez da busca do consenso uma obsessão nacional é obviamente uma tarefa nada fácil -para Schröder ou para qualquer outro primeiro-ministro.
A questão seguinte é esta: o governo Schröder foi tão mal assim que tornou mais urgentes as reformas que já estavam sendo discutidas na gestão anterior (do democrata-cristão Helmut Kohl)?
De novo, a resposta é enviesada politicamente. As estatísticas podem ser usadas para amparar qualquer argumento.
A Alemanha de Schröder cresceu pouco, dirão os fanáticos das reformas. Mas cresceu mais, na média dos quatro anos de Schröder, do que na média dos 16 anos de Kohl.
Mesmo o desemprego, na altura de 4 milhões de pessoas, pode ser visto sob diferentes ângulos. Para os pró-reforma, a rigidez da legislação trabalhista é que impede a queda do desemprego.
Mas esse argumento omite dois dados fundamentais: primeiro, o desemprego na Alemanha seria exatamente igual à média européia (8,3%) se fosse usada a metodologia da União Européia, em vez da alemã, que puxa os números para cima.
Dois: na parte ocidental do país, o desemprego é ainda mais baixo (6%).
Ou seja, é razoável considerar a hipótese de que o desemprego elevado não seja culpa da rigidez (ou apenas da rigidez), mas do estado falimentar em que foi incorporada à Alemanha a sua parte oriental, após a falência do comunismo.
Aliás, o governo alemão inundou com 75 bilhões/ano, por dez anos, a parte oriental, para içá-la da falência, o que, obviamente, contribui para as dificuldades econômicas, tanto ou mais que a falta de reformas.
Mas esses números jamais foram mencionados no pós-eleição, sufocados pelo coro, insólito, de que Schröder é um obstáculo para o progresso da Alemanha, embora tenha sido reeleito. De duas, uma: ou houve uma fraude eleitoral ou há mais opiniões sobre as reformas que as emitidas pelos agentes de mercado.


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