São Paulo, sábado, 25 de setembro de 2004

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NAZISMO

Autor de filme sobre os últimos 12 dias do ditador afirma que alemães ainda não confrontam o seu passado como deveriam

Hitler monstro deturpa história, diz diretor

JOSÉ COMAS
DO "EL PAÍS", EM BERLIM

O diretor Oliver Hirschbiegel recebeu o corresponde de "El País" em uma sala do lendário Hotel Adlon, ao lado do portão de Brandemburgo, e a uns dois quilômetros de distância do ponto onde se localizava o bunker de Adolf Hitler (1889-1945), o cenário para a ação de seu filme "Der Untergang" ["O Colapso", que ainda não estreou no Brasil].
O filme, que retrata os últimos 12 dias de vida do ditador nazista, acaba de ser apontado pela Alemanha para concorrer a uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro de 2004.
Hirschbiegel expressa desacordo sobre o modo pelo qual os alemães confrontaram seu passado até agora e sobre a visão oferecida a respeito de Hitler e do nazismo.
Questionado quanto a um possível efeito bumerangue para o seu filme, o diretor reflete: "O efeito bumerangue na verdade foi causado por esse hábito de recorrer a clichês na hora de confrontar a história. Não basta que construamos monumentos e admitamos ter assassinado judeus e afirmemos que o Terceiro Reich não pode se repetir e que foi a maior barbaridade da História, sem que nunca nos perguntemos de que maneira ele se tornou possível."
Hirschbiegel afirma que "o povo está farto de clichês. Creio que com esse filme demos um primeiro passo na direção de uma nova abordagem. Acredito que isso servirá para despertar os alemães". "A reação da audiência ["O Colapso" já foi visto por 750 mil espectadores desde que estreou, no dia 16, na Alemanha] me demonstra que o filme funciona. Teria sido muito mais fácil agir como tem sido a norma. Mas, se queremos abordar o problema, é preciso que compreendamos que os homens da SS, quando lançavam crianças aos pântanos para que morressem de maneira atroz, sabiam o que faziam. Essas pessoas foram manipuladas até o ponto em que não encaravam suas vítimas como humanos, mas como criaturas inferiores."
Segundo Hirschbiegel, "o pior erro que podemos cometer seria apresentar Hitler não como ser humano, mas como monstro, como fenômeno saído não se sabe de onde, como se ele não tivesse existido na realidade. Não estamos fazendo justiça para com as vítimas se dizemos que fomos forçados a agir como fizemos".
"Só faremos justiça a elas quando os alemães falarem sem rodeios e tentarem obter todas as respostas. O sangue das pessoas responsáveis por aquilo corre em nossas veias. Podemos tentar ocultar essa verdade, mas isso não nos levaria a lugar algum. É claro que é um processo doloroso, que caminhamos num campo minado e que muitos alemães têm medo, mas somos um país antigo, civilizado", diz Hirschbiegel.
"Creio que hoje, nossa tarefa seja fazer o que estamos fazendo, especialmente nós, que não vivemos nada daquilo. Não compreendo como, depois essa maravilhosa simbiose entre judeus e alemães, por tanto tempo verdadeiramente viva e reciprocamente inspiradora, geradora da maior época de nossa história, pudemos permitir que aquilo acontecesse."


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