São Paulo, sábado, 25 de setembro de 2004

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CHINA

"Guardião" do local nos finais de semana, Chin Si já evitou que 42 pessoas pulassem da passagem sobre o rio Yangtzé

Chinês salva suicidas em ponte histórica

JIM YARDLEY
DO "NEW YORK TIMES", NA CHINA

A vista do ponto em que Chen Si se posiciona, sobre a histórica ponte no rio Yangtzé, em Nanquim, captura a energia frenética e pulsante da China. Caminhões e ônibus buzinam enquanto percorrem a pista, e na água marrom, lá embaixo, centenas de barcaças deslizam. À distância, vê-se os edifícios do centro da cidade.
Mas Chen está mais interessado nas pessoas. Percebe um homem solitário, aparentemente pensativo, e caminha na direção dele a passo rápido. Observa pessoas desembarcando dos ônibus urbanos e presta atenção à postura que exibem ao caminhar pela área para pedestres na lateral da ponte.
Por horas, em uma manhã de domingo recente, Chen ficou à espera, observando, atento àquele momento imprevisível e impensável no qual uma das milhares de pessoas que cruzam a ponte a cada dia poderia tentar saltar para as águas do rio. Chen ocupa seu posto quase todos os fins de semana, trazendo consigo uma garrafa térmica de chá. Tornou-se o anjo da guarda da ponte, por iniciativa própria. "Se eu salvar uma única pessoa", disse Chen, "para mim já é o bastante".
De acordo com seus cálculos, Chen, homem de mais de 30 anos, já impediu que 42 pessoas pulassem da ponte desde que começou sua patrulha, um ano atrás. Conversou com elas até convencê-las e em alguns casos as agarrou à força. Chen puxa para cima uma perna da calça para exibir a ferida que sofreu em uma dessas altercações. E, ao longo do período, ele testemunhou cinco pessoas que escaparam aos seus esforços e pularam no Yangtzé para morrer.
É uma missão que requer que ele se torne um detetive, à procura de pistas nas almas de desconhecidos. Chen se posiciona no extremo sul da ponte, usando óculos escuros e um boné, para escapar ao sol escaldante. Não sorri nem fala muito. Observa as pessoas, especialmente as figuras solitárias que encaram a água escura, marrom. "É fácil reconhecê-los", diz, sobre os potenciais suicidas. "São pessoas que caminham de maneira desanimada."
Chen diz que vai à ponte porque é preciso que alguém o faça. O suicídio é a principal causa de morte para os chineses entre os 15 e os 34 anos de idade. A ponte sobre o rio Yangtzé, como as grandes pontes em outros países, atrai uma corrente ininterrupta de potenciais suicidas. Acredita-se que pelo menos mil pessoas tenham saltado da ponte desde que ela foi inaugurada, em 1968. É um monumento nacional na China, e sua estrutura fica a mais de 100 metros de altura. "É um ponto do qual as tentativas de suicídio têm quase 100% de êxito", disse Fang Xueming, um faxineiro que trabalha nos banheiros portáteis instalados na ponte.
Em outras pontes famosas, entre as quais algumas localizadas nos Estados Unidos, pessoas como Chen mantêm suas patrulhas há anos. Mas acredita-se que ele seja o primeiro voluntário a realizar esse tipo de trabalho na China. O país continua sem um plano nacional para combater o suicídio, mas o assunto vem ganhando importância junto aos chineses.
"O fato de que ele esteja agindo assim de maneira voluntária dá razão a muita esperança", afirmou Michael Phillips, diretor do Centro de Pesquisa e Prevenção do Suicídio, em Pequim. "Ainda resta muito a fazer, mas aparentemente as ramificações políticas do ato foram removidas."
Uma década atrás, disse Phillips, a polícia talvez tivesse impedido que Chen realizasse o seu trabalho voluntário, mas hoje em dia o governo oferece mais espaço a certas formas de ativismo cívico.
Os funcionários públicos que trabalham na ponte já conhecem o voluntário pelo nome. Um deles conta que os trabalhadores locais muitas vezes impedem tentativas de suicídio, mas que a seção principal da ponte, com cerca de 1,5 km de comprimento, é longa demais para permitir que todos sejam protegidos. Chen diz que algumas pessoas chegam de táxi, param no meio da ponte, pagam a corrida, saem do carro e saltam.
Chen é um homem corpulento, de cabelos escuros e arrepiados, e exibe um lado mais alegre no apartamento modesto que compartilha com sua mulher e filha pequena. Disse ter começado a ir à ponte depois de ver algumas reportagens na imprensa sobre os suicidas. Ficou chocado quando leu sobre uma multidão, em outra cidade chinesa, que gritava insultos para um migrante desesperado quando ele subiu no topo de um outdoor para tentar suicídio.
"Temos de ensinar as pessoas a amar a vida, a vê-la como o dom mais precioso", disse Chen, que ganha a vida vendendo pequenos painéis publicitários.
Ele toma o ônibus nas manhãs dos finais de semana e chega à ponte às 7h30. Distribui folhetos com o número de seu celular, como uma linha de emergência. Disse que as pessoas que encontra muitas vezes perderam seu dinheiro, um cônjuge, a esperança. Se ele consegue impedi-las de saltar, leva-as a um restaurante próximo para comer e conversar.
"As pessoas por aqui todas o conhecem", disse Zhou Congsheng, proprietário de um restaurante. "Ele é um grande sujeito."
Nos últimos meses, Chen recebeu atenção da imprensa chinesa. Diversos estudantes universitários decidiram ajudá-lo e agora se revezam patrulhando a ponte, e algumas pessoas que ele convenceu a não saltar fazem o mesmo.
Chen diz que precisava mesmo da ajuda adicional, e de alguém que o substitua. Começou a fumar sem parar, desde que se dedica à patrulha. Registra suas emoções em um diário, que talvez seja publicado em breve como livro, na China. O telefone dele não pára de tocar e o peso de tanta tristeza, de tanto desespero, muitas vezes o oprime. "Muita gente me liga, de todo o país, mas não posso ajudar a todos", diz.
Nanquim tem um centro de intervenção para crises -algo raro na China- e uma linha telefônica de assistência. Mas Chen espera que o governo considere, além disso, a possibilidade de instalar uma rede ao longo da ponte. Sairia caro, e esses pedidos encontraram resistência em outras pontes e outros países. Mas Chen espera que seja possível fazer alguma coisa. "Salvei muita gente", disse. "Mas uma pessoa, sozinha, não é suficiente para fazer o trabalho".


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