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CHINA
"Guardião" do local nos finais de semana, Chin Si já evitou que 42 pessoas pulassem da passagem sobre o rio Yangtzé
Chinês salva suicidas em ponte histórica
JIM YARDLEY
DO "NEW YORK TIMES", NA CHINA
A vista do ponto em que Chen Si
se posiciona, sobre a histórica
ponte no rio Yangtzé, em Nanquim, captura a energia frenética
e pulsante da China. Caminhões e
ônibus buzinam enquanto percorrem a pista, e na água marrom,
lá embaixo, centenas de barcaças
deslizam. À distância, vê-se os
edifícios do centro da cidade.
Mas Chen está mais interessado
nas pessoas. Percebe um homem
solitário, aparentemente pensativo, e caminha na direção dele a
passo rápido. Observa pessoas
desembarcando dos ônibus urbanos e presta atenção à postura que
exibem ao caminhar pela área para pedestres na lateral da ponte.
Por horas, em uma manhã de
domingo recente, Chen ficou à espera, observando, atento àquele
momento imprevisível e impensável no qual uma das milhares de
pessoas que cruzam a ponte a cada dia poderia tentar saltar para
as águas do rio. Chen ocupa seu
posto quase todos os fins de semana, trazendo consigo uma garrafa térmica de chá. Tornou-se o
anjo da guarda da ponte, por iniciativa própria. "Se eu salvar uma
única pessoa", disse Chen, "para
mim já é o bastante".
De acordo com seus cálculos,
Chen, homem de mais de 30 anos,
já impediu que 42 pessoas pulassem da ponte desde que começou
sua patrulha, um ano atrás. Conversou com elas até convencê-las
e em alguns casos as agarrou à
força. Chen puxa para cima uma
perna da calça para exibir a ferida
que sofreu em uma dessas altercações. E, ao longo do período, ele
testemunhou cinco pessoas que
escaparam aos seus esforços e pularam no Yangtzé para morrer.
É uma missão que requer que
ele se torne um detetive, à procura
de pistas nas almas de desconhecidos. Chen se posiciona no extremo sul da ponte, usando óculos
escuros e um boné, para escapar
ao sol escaldante. Não sorri nem
fala muito. Observa as pessoas, especialmente as figuras solitárias
que encaram a água escura, marrom. "É fácil reconhecê-los", diz,
sobre os potenciais suicidas. "São
pessoas que caminham de maneira desanimada."
Chen diz que vai à ponte porque
é preciso que alguém o faça. O suicídio é a principal causa de morte
para os chineses entre os 15 e os 34
anos de idade. A ponte sobre o rio
Yangtzé, como as grandes pontes
em outros países, atrai uma corrente ininterrupta de potenciais
suicidas. Acredita-se que pelo
menos mil pessoas tenham saltado da ponte desde que ela foi
inaugurada, em 1968. É um monumento nacional na China, e sua
estrutura fica a mais de 100 metros de altura. "É um ponto do
qual as tentativas de suicídio têm
quase 100% de êxito", disse Fang
Xueming, um faxineiro que trabalha nos banheiros portáteis instalados na ponte.
Em outras pontes famosas, entre as quais algumas localizadas
nos Estados Unidos, pessoas como Chen mantêm suas patrulhas
há anos. Mas acredita-se que ele
seja o primeiro voluntário a realizar esse tipo de trabalho na China.
O país continua sem um plano
nacional para combater o suicídio, mas o assunto vem ganhando
importância junto aos chineses.
"O fato de que ele esteja agindo
assim de maneira voluntária dá
razão a muita esperança", afirmou Michael Phillips, diretor do
Centro de Pesquisa e Prevenção
do Suicídio, em Pequim. "Ainda
resta muito a fazer, mas aparentemente as ramificações políticas
do ato foram removidas."
Uma década atrás, disse Phillips, a polícia talvez tivesse impedido que Chen realizasse o seu
trabalho voluntário, mas hoje em
dia o governo oferece mais espaço
a certas formas de ativismo cívico.
Os funcionários públicos que
trabalham na ponte já conhecem
o voluntário pelo nome. Um deles
conta que os trabalhadores locais
muitas vezes impedem tentativas
de suicídio, mas que a seção principal da ponte, com cerca de 1,5
km de comprimento, é longa demais para permitir que todos sejam protegidos. Chen diz que algumas pessoas chegam de táxi,
param no meio da ponte, pagam a
corrida, saem do carro e saltam.
Chen é um homem corpulento,
de cabelos escuros e arrepiados, e
exibe um lado mais alegre no
apartamento modesto que compartilha com sua mulher e filha
pequena. Disse ter começado a ir
à ponte depois de ver algumas reportagens na imprensa sobre os
suicidas. Ficou chocado quando
leu sobre uma multidão, em outra
cidade chinesa, que gritava insultos para um migrante desesperado quando ele subiu no topo de
um outdoor para tentar suicídio.
"Temos de ensinar as pessoas a
amar a vida, a vê-la como o dom
mais precioso", disse Chen, que
ganha a vida vendendo pequenos
painéis publicitários.
Ele toma o ônibus nas manhãs
dos finais de semana e chega à
ponte às 7h30. Distribui folhetos
com o número de seu celular, como uma linha de emergência.
Disse que as pessoas que encontra
muitas vezes perderam seu dinheiro, um cônjuge, a esperança.
Se ele consegue impedi-las de saltar, leva-as a um restaurante próximo para comer e conversar.
"As pessoas por aqui todas o conhecem", disse Zhou Congsheng,
proprietário de um restaurante.
"Ele é um grande sujeito."
Nos últimos meses, Chen recebeu atenção da imprensa chinesa.
Diversos estudantes universitários decidiram ajudá-lo e agora se
revezam patrulhando a ponte, e
algumas pessoas que ele convenceu a não saltar fazem o mesmo.
Chen diz que precisava mesmo
da ajuda adicional, e de alguém
que o substitua. Começou a fumar sem parar, desde que se dedica à patrulha. Registra suas emoções em um diário, que talvez seja
publicado em breve como livro,
na China. O telefone dele não pára
de tocar e o peso de tanta tristeza,
de tanto desespero, muitas vezes
o oprime. "Muita gente me liga,
de todo o país, mas não posso ajudar a todos", diz.
Nanquim tem um centro de intervenção para crises -algo raro
na China- e uma linha telefônica
de assistência. Mas Chen espera
que o governo considere, além
disso, a possibilidade de instalar
uma rede ao longo da ponte. Sairia caro, e esses pedidos encontraram resistência em outras pontes
e outros países. Mas Chen espera
que seja possível fazer alguma coisa. "Salvei muita gente", disse.
"Mas uma pessoa, sozinha, não é
suficiente para fazer o trabalho".
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