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Igreja analisa legado da assembléia revolucionária
DA REDAÇÃO
No dia 11 de outubro de 1962,
iniciava-se na basílica de São Pedro uma reunião extraordinária
de bispos do mundo inteiro. O
discurso inaugural do papa João
23 (1958-1963) no Concílio Vaticano 2º, com a participação de
cerca de 2.500 padres conciliares,
sinalizava a revolução que essa assembléia provocaria a partir de
1962, até o final de 1965:
"No exercício diário de nosso
ministério pastoral -e para nosso pesar- às vezes temos de escutar aqueles que, tomados pelo
ardor, apresentam um julgamento ou discernimento limitado. Para esses, o mundo não passa de
traição e ruína. Alegam que esta
era é muito pior do que as anteriores e prosseguem a arenga como se não tivessem aprendido nada da história... Temos de discordar desses profetas do Juízo Final
que estão sempre prevendo uma
calamidade, como se o fim do
mundo fosse iminente."
Quando foi eleito papa, em
1958, aos 76 anos, a maioria dos
clérigos acreditava que Angelo
Giuseppe Roncalli (nome de batismo de João 23) seria uma figura
de transição, sem imaginar que
ele instigaria um movimento reformista sem precedentes na igreja, em pelo menos quatro séculos,
e que se tornaria um dos líderes
mais populares de toda a história
da Igreja Católica.
Outras línguas
Aquele concílio ecumênico, cujo efeito ainda não se absorveu
por completo, aprovou a utilização de outras línguas além do latim na liturgia católica e permitiu
que o celebrante da missa ficasse
de frente para os fiéis, além de
abrir caminho para uma reconciliação com outras religiões.
O Concílio Vaticano 2º (1962-1965) foi convocado em um mundo dividido, dominado pela
Guerra Fria, pela descolonização
e por uma crise de valores, e a
maior parte dos padres conciliares compartilhava essas preocupações. Destacaram-se, entre outros, os cardeais Augustin Bea,
Leo Jozef Suenens, Joseph Frings
e Giovanni Batista Montini (papa
Paulo 6º), os teólogos Karl Rahner, Yves Congar e Marie-Dominique Chenu, os bispos Vicente
Enrique y Tarancón e Narcís Jubany e o monge beneditino Adalbert Franquesa, especialista em
questões litúrgicas.
Alguns bispos e cardeais, como
Alfredo Ottaviani (conhecido pela
chamada "intervenção Ottaviani", contra a nova ordenação da
missa), opuseram-se ao processo
de renovação.
Ao preço de um cisma (o dos
tradicionalistas de Marcel Lefebvre), a igreja soube romper com
uma concepção fixista de sua tradição e restaurou parcialmente a
noção de "povo de Deus", encoberta por um poder piramidal e
dogmático em demasia.
Hostil ao "aggiornamento" -a
adaptação da igreja à modernidade-, Lefebvre criticou a "neomodernidade" de Roma, "em
ruptura com a tradição da igreja"
e fundou um seminário tradicionalista na Suíça.
"Temos a convicção de que o rito novo da missa expressa uma
nova fé, uma fé que não é a nossa,
uma fé que não é a católica", disse
Lefebvre. A missa não foi o único
motivo dessa ruptura. A liberdade religiosa defendida pelo Concílio Vaticano 2º foi considerada
por Lefebvre uma forma de colocar no mesmo plano a verdade e o
erro. A aproximação ecumênica e
inter-religiosa, para ele, só poderia ser feita negando sua própria
fé. Lefebvre ordenou padres, apesar da proibição de Roma, e consagrou quatro bispos em 1988, o
que lhe valeu uma excomunhão.
Atualmente, essa comunidade
religiosa é formada por aproximadamente 250 padres e por cerca de 100 mil fieis.
O papa da concórdia
Mesmo antes do Concílio Vaticano 2º, o "papa bom" ("il papa
buono") -como Roncalli viria a
ser chamado- já buscava a reconciliação dentro e fora da igreja. Por exemplo, utilizava o turco
em boa parte da missa em Istambul quando era delegado apostólico para a Turquia (onde ajudou a
salvar judeus da morte) e a Grécia.
À época, foi "denunciado" ao Vaticano e se defendeu com o argumento de que "o Evangelho não
admite monopólios nacionais e
não está fossilizado".
Esse processo de modernização,
a ênfase na justiça social e na inserção da igreja no mundo moderno e as atitudes inesperadas de
conciliação que adotou lhe valeram um registro especial num
"arquivo Roncalli" no Vaticano.
Logo após sua eleição como papa,
pediu para ver esse arquivo.
João 23 incentivou a atuação
dos leigos, enfrentou a burocracia
estéril do Vaticano e permitiu a
visão de uma nova ordem de relações, inspirando não apenas católicos mas também ateus como Nikita Kruchov, que disse ao "Pravda" que João 23 prestava "um tributo à razão em seu desejo pela
paz" ao intervir na crise dos mísseis de Cuba 40 anos atrás. "Não
se trata de temer o julgamento de
Deus, no qual, como ateu, não
acredito, mas de acolher com alegria o apelo para negociar", disse.
Atualmente, parece natural que
o papado deve ter um alcance internacional, devido à diversidade
geográfica dos católicos e às frequentes viagens de João Paulo 2º.
Mas, antes de João 23 geralmente
os papas se confinavam no Vaticano ou em torno dele.
O papa João 23 morreu em 3 de
junho de 1963, e o Concílio Vaticano 2º ainda exerce grande influência nas estruturas da Igreja
Católica 40 anos após sua abertura e motiva debates acirrados sobre a revolução que causou.(PDF)
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