São Paulo, segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

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Bolivianos aprovam nova Constituição "indígena"

Texto que amplia Estado na economia e cria autonomias é ratificado em referendo

Carta, que segundo boca-de-urna teve ao menos 60% dos votos, amplia poder dos povos indígenas e presença do Estado na economia

Dado Galdieri/Associated Press
O presidente Morales é recebido por simpatizantes ao chegar para votar em Villa 14 de Setembro

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A LA PAZ

Em votação sem incidentes graves, a Bolívia aprovou ontem uma nova Constituição, impulsionada pelo presidente Evo Morales, indicam resultados preliminares e três pesquisas de boca-de-urna.
O resultado coloca o país em mais uma campanha política com vistas às eleições gerais de dezembro, que será realizada em meio à complexa regulamentação do texto ratificado, incluindo as autonomias departamentais (estaduais), pivô da recente crise política.
"Hoje, graças à vontade soberana e à consciência do povo boliviano, se refunda uma nova Bolívia com igualdade de oportunidades para todos", discursou Morales a uma multidão que se aglomerava à noite diante do Palácio Quemado, sede do governo, centro de La Paz.
A nova Carta foi aprovada com 65% dos votos, segundo resultados preliminares divulgados pela TV estatal. Já levantamentos de boca-de-urna das emissoras privadas Unitel, PAT e Red Uno mostram uma vitória do "sim" com margem um pouco menor -entre 60% e 61% dos votos válidos.
Em pergunta separada, 77% dos eleitores decidiram que as propriedades agrárias não podem ter mais de 5.000 hectares, contra 23% que escolheram o limite de 10 mil hectares, segundo projeção feita pela rede de TV PAT a partir de resultados preliminares.
Essa pergunta foi feita devido à falta de consenso sobre o assunto durante a Constituinte, mas a decisão não é retroativa, ou seja, propriedades já existentes acima desse limite não serão desapropriadas.
Os primeiros resultados voltaram ainda a mostrar a profunda divisão política entre o altiplano, reduto de Morales, e as terras baixas. O "sim" venceu nos departamentos de La Paz (90%), Oruro (67%), Potosí (80%) e Cochabamba (65%). Em Tarija e em Chuquisaca, havia empate técnico, segundo resultados preliminares divulgados pela TV estatal.
Já a oposição voltou a demonstrar força no leste e no norte do país. Em Santa Cruz (leste), o departamento (Estado) mais rico do país , o "não" venceu com 66%. Resultados semelhantes foram registrados ainda nos departamentos amazônicos de Beni (69%) e Pando (61%), sempre de acordo com a TV estatal.
Oficializado o resultado, a Bolívia terá uma Constituição que amplia os direitos indígenas, aumenta a presença do Estado na economia, estabelece quatro tipos de autonomia e institui a reeleição presidencial -limitada a um mandato consecutivo de cinco anos.
"As condições para o conflito não se perderam, mas muito dependerá de como a oposição e o governo interpretarão os resultados", afirma o sociólogo Fernando Mayorga.
De acordo com o analista, caso se confirme uma vitória ao redor de 60%, o novo texto constitucional terá legitimidade suficiente, mas dará à oposição maior margem para negociar com o governo em temas espinhosos, como o novo código eleitoral, que precisa ser aprovado pelo Congresso para as eleições de dezembro.
Durante a manhã, em entrevista à Folha, o ex-presidente e líder opositor do partido Podemos Jorge "Tuto" Quiroga, afirmou que, "se o governo quiser respeitar a lei, respeitar o Congresso, buscar consenso, implantar o que se deve implantar, nós sempre estaremos ali. Mas não acredito, porque eles sempre querem atacar". Com maioria no Senado, o partido de Quiroga é o principal rival de Morales no Congresso.
Já o ministro de Desenvolvimento Rural, Carlos Romero, disse que ainda é "prematuro" comentar a aplicação da nova Constituição. "É preciso esperar os resultados definitivos do referendo para saber qual será o melhor caminho para implementá-la. E isso tem de ser por consenso entre os principais atores políticos", afirmou, em entrevista por telefone horas antes de fecharem as urnas.
Uma das principais disputas com a oposição deve girar em torno da regulamentação da autonomia departamental, que levou o país a uma grave crise institucional durante o ano passado.
A Constituição aprovada ontem é o resultado de um tumultuado processo político, que jogou a Bolívia numa grave crise institucional entre o governo nacional e os departamentos governados pela oposição. O confronto político só arrefeceu no final de outubro, quando o governo e a oposição chegaram a um acordo no Parlamento, modificando dezenas de artigos do projeto.


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