São Paulo, sábado, 26 de fevereiro de 2005

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VATICANO

Porta-voz descarta pneumonia e diz que traqueostomia não foi urgente; impedido de falar, pontífice se comunica por escrito

Papa melhora e se alimenta após cirurgia

Czarek Sokolowski/Associated Press
Crianças fazem vigília e orações pelo restabelecimento do papa em Wadowice, cidade polonesa em que João Paulo 2º, 84, nasceu


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA

A senhora de roupa negra, véu também negro na cabeça, sotaque andaluz inconfundível, diz a seu acompanhante em voz suficientemente alta para ser escutada por outros: "Los buitres ya están aqui. Pero el no va a morir".
Ele nasceu Karol Wojtyla, há 84 anos, mas, nos últimos 27 anos, é o papa João Paulo 2º, recolhido desde quinta-feira ao hospital Agostino Gemelli que ele próprio chama de "Vaticano 3", tantas vezes teve que ser internado (dez, incluindo a de anteontem).
Os "buitres" (abutres) são os jornalistas, especialmente os de televisão, que não conseguem disfarçar a sua presença na praça de São Pedro, o coração do Vaticano, a minúscula cidade-Estado da qual João Paulo 2º guia cerca de 1 bilhão de católicos mundo afora.
Cada vez que o papa é levado ao "Gemelli", os "abutres" acampam na praça com seu equipamento, mas João Paulo 2º teima em desiludi-los, como o fez de novo na noite de anteontem, ao deixar a sala de operações depois de uma traqueostomia que acendeu todos os sinais de alarme no Vaticano, no mundo e, naturalmente, nas redações.
Proibido de falar pelos médicos, "por alguns dias", segundo o porta-voz do Vaticano, Joaquín Navarro-Valls, o papa primeiro perguntou, por escrito: "Mas o que me fizeram?".
Depois emendou, como se quisesse dar razão à fé cega da senhora espanhola que diz que ele não vai morrer:
"Mas eu sou sempre totus tuus" (todo teu), escreveu João Paulo 2º, sempre segundo o relato de seu porta-voz.
"Totus tuus" é o lema do pontificado de João Paulo 2º e também um cântico de alegria e reverência cada vez que ele viaja pelo mundo (e viaja muito, a ponto de já ter estado em 104 países).
Mas os "abutres" não são apenas os jornalistas: as casas britânicas de jogo já estão aceitando apostas em quem será o sucessor de João Paulo 2º. O favorito é o arcebispo de Milão, o cardeal Dionigi Tettamanzi, também freqüentemente citado pelos "vaticanistas" como possível sucessor. Quem apostou em Tettamanzi ganhará 5 libras esterlinas para cada 2 apostadas.
O brasileiro Cláudio Hummes, cardeal-arcebispo de São Paulo, também está bem cotado (8 libras de ganho para uma apostada).

Dez biscoitos
Mas, se depender do ambiente que se respirava ontem no hospital Gemelli, vai levar ainda muito tempo para saber quem sucederá João Paulo 2º.
Navarro Valls, o porta-voz, leu o primeiro boletim pós-traqueostomia para informar que o papa tomara café da manhã, composto de café com leite, dez biscoitos ("pequenos, mas dez", fez questão de dizer) e um iogurte.
As condições cardiovasculares do papa são boas, informou também o porta-voz, que fez questão de negar rumores de que João Paulo 2º estivesse com uma infecção do tipo de uma pneumonia. Negou também que a traqueostomia tenha sido uma intervenção de urgência ou de emergência.
Os "abutres", de todo modo, desconfiam das informações fornecidas por Navarro Valls, a partir de comentários de médicos segundo os quais o mal que o levara a internar-se no início do mês (laringoespasmo) é um enrijecimento dos músculos da laringe, que impede expelir o catarro acumulado, levando ao risco de sufocamento.
Esse tipo de operação, embora em tese simples, tem sempre um caráter emergencial. Mais ainda quando o paciente tem 84 anos e sofre de mal de Parkinson.
De todo modo, o presidente da Itália, Carlo Azeglio Ciampi, apostava ontem contra os apostadores em um novo papa e contra os "abutres", ao dizer que esperava a visita de João Paulo 2º para o dia 29 de abril, dia de santa Catarina, no seu palácio, o Quirinale.

Superstição
Com a mesma fé, padres e freiras contaram à agência de notícias Reuters que sabem que o papa não vai morrer em breve porque está seco o monumento em mármore a Silvestre 2º, antecessor de João Paulo faz um milênio. Diz a lenda que, sempre que o papa está para morrer, o monumento fica úmido.
A homenagem a Silvestre 2º fica na sacristia da catedral de são João Latrão, uma das muitas igrejas do circuito turístico em Roma.
Um pouco porque o papa estava melhor ontem e outro tanto porque não é politicamente correto, o fato é que não se está falando no Vaticano da possibilidade de renúncia de João Paulo 2º, ao contrário do que ocorrera quando da internação imediatamente anterior.
Naquela ocasião, o secretário de Estado, Angelo Sodano, um dos principais nomes da Igreja, disse que a renúncia era "algo que deveria ser deixado para a consciência do papa", uma insinuação rebatida imediatamente por outros cardeais.
O ambiente menos tenso se reflete no fato de que o próximo boletim sobre o estado de saúde do papa só será divulgado na segunda-feira. Até lá, os "abutres" manterão seus equipamentos semi-ociosos na monumental praça de São Pedro.


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