São Paulo, quarta-feira, 26 de maio de 2004

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GUERRA SEM LIMITES

Relatório do instituto britânico IISS mostra que a Guerra do Iraque ampliou o recrutamento de terroristas

Al Qaeda tem 18 mil terroristas em potencial

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

O segundo tiro saiu pela culatra. Em vez de diminuir tanto o recrutamento de terroristas pela rede Al Qaeda como os atentados contra alvos ocidentais, a invasão anglo-americana do Iraque aumentou o problema. Hoje a rede tem 18 mil terroristas em potencial espalhados por mais de 60 países.
Além disso, o ataque prejudicou a contenção da proliferação de armas de destruição em massa.
Essas são avaliações de relatório divulgado ontem em Londres pelo Instituto Internacional para Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês). O instituto edita um anuário clássico sobre forças militares, "The Military Balance", e também um relato anual das questões estratégicas mais importantes, "Strategic Survey".
O fracasso no Iraque contrasta com a operação no Afeganistão em 2001, mais bem-sucedida, o primeiro grande tiro na guerra ao terror. O país deixou de ser a base da rede terrorista e dos seus aliados fundamentalistas do Taleban.
"Desde que Bush assumiu o poder, e sobretudo desde a intervenção no Iraque, a imagem mundial dos EUA atingiu o fundo do poço. Em muitos lugares os EUA estão sendo vistos com suspeita devido a seu unilateralismo", diz o "Strategic Survey 2003/4".
A intervenção no país governado pelo ditador Saddam Hussein "dominou todo o espectro" das questões mundiais, diz o relatório, criando um "choque cultural estratégico". Em termos da luta contra o terror, o ataque diluiu os esforços da coalizão mundial "que parecia tão formidável após a intervenção no Afeganistão".
O "Survey" tem uma detalhada análise das táticas americanas de "contra-insurgência" adotadas no Iraque. O erro básico foi devotar muito mais atenção à tomada do país do que à sua ocupação.
O Exército dos EUA sempre se preparou mais para uma guerra convencional. Essa era a grande preocupação da Guerra Fria, uma Terceira Guerra Mundial contra os soviéticos na Europa.
Mesmo na longa intervenção no Vietnã nas décadas de 60 e 70, essa era a doutrina predominante, tanto que os conselheiros militares americanos ajudaram a construir o Exército do então Vietnã do Sul à sua imagem e semelhança -"com uma estrutura mais apropriada para fazer a guerra na planície do norte da Alemanha".
O Exército dos EUA fez no Iraque grandes operações de "varredura", "busca e destruição", que lembram outras do mesmo gênero feitas no Vietnã. Já patrulhas constantes pela infantaria, que permitiriam um melhor relacionamento com a população -e uma maneira de obter pistas sobre o inimigo- têm sido relegadas a segundo plano.
"Bases americanas, com Pizza Hut e outras amenidades modernas, são pesadamente fortificadas. Embora ajudem a manter as tropas confortáveis e protegidas do terror, esses acantonamentos isolam mais ainda as tropas da população local", diz o relatório.
Esse isolamento físico, mais uma falha em entender os costumes e a cultura locais, além de uma grande agressividade no trato com a população, "podem se mostrar erros cardeais".
Os britânicos em Basra estariam agindo melhor, realizando patrulhas conjuntas com a polícia iraquiana, diz o relatório.
"A atual administração dos EUA está ficando agudamente consciente de que reputação, prestígio e poder podem ser facilmente desperdiçados através de intervenções e operações de paz mal gerenciadas. Os EUA estão percebendo a verdade terrível de que a primeira lei da manutenção da paz é a mesma da ciência forense: cada contato deixa um traço", declarou em comunicado o diretor do IISS John Chipman.
"Infelizmente, muitos traços ruins foram deixados, e muitos bons serão necessários para os EUA recuperarem sua reputação, seu prestígio e, por conseguinte, seu poder efetivo", disse ele.


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