São Paulo, sábado, 26 de maio de 2007

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Grupo por trás da crise no Líbano se inspira na Al Qaeda

Em entrevista ao "Times" em março, líder do Fatah al Islam prometeu visar alvos dos EUA

Procurado por terrorismo, palestino Abssi achou em campo de refugiados em Trípoli recrutas e santuário para treinar organização

Mohamed Azakir - 23.mai.2007/Reuters
Militante do Fatah al Islam patrulha o campo de Nahr al Bared


SOUAD MEKHENNET
MICHAEL MOSS
DO "NEW YORK TIMES", EM TRÍPOLI

Numa favela violenta e sem lei ao norte de Trípoli, na costa do Líbano, 12 homens com rostos escondidos por lenços treinam com fuzis Kalashnikov. Movimentando-se juntos, dão um bote numa direção e depois, viram-se. "Allah-u akbar", gritam, louvando Deus, enquanto disparam contra um muro. Os homens pertencem a uma nova milícia islâmica chamada Fatah al Islam, cujo líder, o fugitivo palestino Shakir al Abssi, montou operações num campo de refugiados, onde treina combatentes e difunde a ideologia da Al Qaeda. É este o grupo que detonou, na última semana, a mais recente crise a ameaçar o já frágil equilíbrio libanês.
Abssi tem sólidas credenciais terroristas. Ex-associado de Abu Musab al Zarqawi, o líder da Al Qaeda no Iraque morto em 2006, foi condenado à morte à revelia, com Zarqawi, pelo assassinato do diplomata americano Laurence Foley na Jordânia, em 2002. Apenas quatro meses depois de chegar ao Líbano, vindo da Síria, ele já formou uma milícia estimada por agentes de inteligência em 150 homens, além de reunir um arsenal que inclui explosivos, foguetes e um canhão antiaéreo.
Em entrevista concedida em março último ao "New York Times", Abssi exibiu seu campo de treinamento improvisado e sua mensagem estridente de que os EUA precisam ser punidos por sua presença no mundo islâmico. "A única forma de conquistar nossos direitos é pela força", disse. "É assim que os EUA nos tratam. Portanto, quando os americanos sentirem que suas vidas e sua economia estão ameaçadas, saberão que devem partir."

Ressurgimento
A organização de Abssi é a imagem do que fontes da inteligência vêem como o ressurgimento da Al Qaeda. Esmagada após 2001, a organização fundada por Osama bin Laden está se reerguendo sob a forma de uma aliança de grupos pequenos, dispersos, que compartilham uma interpretação fundamentalista do islã mas que desenvolveram capacidades terroristas independentes, segundo os agentes de inteligência. Abssi, segundo essas fontes, é visto como militante perigoso, capaz de formar equipes pequenas com grande habilidade militar. "Homens como Abssi possuem a capacidade em campo que a Al Qaeda perdeu e da qual ela quer se reabastecer", disse um funcionário da inteligência americana. Abssi já mostrou astúcia.
Apesar de seu nome constar de listas de suspeitos de terrorismo em todo o mundo, ele se fixou num campo de refugiados palestinos onde, em função da política libanesa, pode atuar praticamente protegido do governo. O campo também lhe oferece acesso a um grupo de recrutas, jovens palestinos cuja visão militante evoluiu, passando da luta contra Israel para a causa islâmica mais ampla.
Agentes de inteligência no Líbano dizem que Abssi também explora outra fonte de mão-de-obra: estimam que ele conte com 50 militantes da Arábia Saudita e outros países, vindos dos combates com a insurgência iraquiana. Os agentes afirmam temer que Abssi busque se consolidar como líder terrorista na escala de Zarqawi. "Ele está tentando preencher o vazio de uma maneira a atrair a atenção de seguidores" disse o agente americano.
Recentemente Abssi recrutou um assessor de comunicações, Abu al Hassan, 24, estudante de jornalismo que deixou a faculdade para unir-se ao Fatah al Islam. Seu projeto é criar uma revista de recrutamento.

Síria
A história de Abssi ilustra a atração da Al Qaeda sobre militantes árabes. Nascido na Palestina, de onde ele e sua família foram expulsos por Israel, Abssi, 51, parou de estudar medicina para pilotar aviões para Iasser Arafat, morto em 2004. Em seguida, lançou ataques contra Israel a partir de sua base própria na Síria. Depois de passar três anos preso na Síria por acusações de terrorismo, ampliou seus alvos para incluir americanos na Jordânia.
O "Times" conseguiu um encontro com Abssi por meio de intermediários, que ajudaram a organizar reuniões em sua sede no campo de refugiados de Nahr al Bared. Grisalho e de fala macia, Abssi foi entrevistado em uma pequena casa junto a um campo de treinamento. Cerca de 80 homens estavam no local, fazendo várias tarefas. Um deles cuidava de um canhão antiaéreo. Enquanto Abssi falava, dois assessores faziam anotações e um terceiro mexia com uma submetralhadora.
Uma bazuca estava recostada contra a parede atrás dele. Numa entrevista de 90 minutos, sua primeira a jornalistas ocidentais, Abssi declarou compartilhar a interpretação fundamentalista da Al Qaeda e endossar a criação de uma nação islâmica global. Disse que matar soldados dos EUA no Iraque já não é suficiente para convencer o público americano de que seu governo deve parar o que muitos muçulmanos vêem como uma guerra contra o islã.
"Temos o direito legítimo de empreender tais atos -pois não é a América que vem para nossa região e mata inocentes e crianças?" diz Abssi. "É direito nosso atingi-los em suas casas, da mesma maneira como eles nos atingem nas nossas." "Não temos medo de sermos rotulados de terroristas", acrescenta. "Mas quero perguntar: quem detona um quilo é terrorista, enquanto alguém que detona toneladas em cidades árabes e islâmicas não é?" Indagado sobre seus alvos, Abssi se nega a dizer quais seriam.
No interior do campo palestino, Abssi parece estar montando sua operação com pouca interferência. O general Achraf Rifi, diretor das Forças de Segurança Internas do Líbano, diz que o governo não possui autoridades para entrar num campo palestino -para fazê-lo, afirma, precisaria da anuência de outros países árabes.
Abssi diz que boa parte de sua orientação espiritual vem de Abu Abdullah Muhammad al Bukhari, estudioso islâmico do século 9 apontado pelo Pentágono entre os 20 de influência atualmente maior que a de Bin Laden sobre militantes árabes.
"Originalmente, matar inocentes e crianças era proibido", afirma. "Entretanto há situações em que essas mortes são permitidas. Uma dessas exceções são aqueles que matam nossas mulheres e crianças." "Bin Laden emite as fatwas", diz Abssi, usando a palavra árabe que significa os pronunciamentos legais islâmicos. "Se suas fatwas seguem a sunna [lei islâmica], nós as cumprimos." No fim de novembro, Abssi se mudou para o campo de Nahr al Bared, tomou três complexos sob o controle de um grupo secular, o Fatah al Intifada, hasteou a bandeira negra de seu grupo e lançou uma declaração dizendo que estava levando a religião à causa palestina.
A aparente incapacidade de prender Abssi provoca fúria entre os homens que o caçam. Um agente de segurança em um dos países em que Abssi é procurado mostrou raiva quando indagado por que Abssi está operando livremente. "Posso ir a muitos lugares para prender pessoas, mas Abssi eu não posso prender", respondeu. Na entrevista que concedeu ao "New York Times", Abssi contou que, de modo geral, teve uma recepção calorosa no campo palestino e que vê sua causa com otimismo. "Uma das razões que nos levou a escolher este campo é que acreditamos que as pessoas daqui estão próximas a Deus, já que padecem o mesmo sofrimento que nossos irmãos na Palestina", explica.
"Quando os jovens de hoje vêem o que está acontecendo na Palestina e no Iraque, isso lhes dá entusiasmo para juntar-se ao caminho dos justos e da jihad. Essas pessoas começaram a seguir o caminho justo."


Tradução de CLARA ALLAIN


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