|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
País quer negociar com bomba na mão
DAVID PILLING
DO "FINANCIAL TIMES"
Não importa que opinião se
tenha sobre Kim Jong-il, é preciso reconhecer que ele tem um
grande senso de oportunidade.
O primeiro teste de um dispositivo nuclear feito por seu
regime, em outubro de 2006,
coincidiu com a chegada ao território sul-coreano de Shinzo
Abe, um crítico linha-dura de
Pyongyang e então premiê do
Japão. Abe imediatamente
apelou por sanções mais severas da ONU contra os norte-coreanos. Mas passadas poucas
semanas foram adotados planos para reconduzir a liderança
norte-coreana à mesa de negociações e oferecer novos incentivos ao regime para que revertesse suas ambições nucleares.
Desta vez, as informações de
que a Coreia do Norte testou
uma segunda bomba surgiram
no momento em que a Coreia
do Sul está abalada por uma crise interna, o suicídio de Roh
Moo-hyun, presidente até o
ano passado. Roh defendia a
chamada "política luz do sol",
de aproximação diplomática
com o Norte. Seu sucessor, Lee
Myung-bak, adotou linha muito mais dura. A discussão sobre
qual das duas estratégias é correta continua a varrer a Coreia
do Sul, e o suicídio de Roh só
alimentará a polêmica.
O que a Coreia do Sul vier a
fazer talvez não importe. No sol
ou na chuva, a Coreia do Norte
parece disposta a levar adiante
o seu programa nuclear sem
considerar as consequências. O
teste de ontem pode ter sido
concebido para provar que as
capacidades de Pyongyang
avançaram desde a explosão de
2006, classificada por analistas
militares como um relativo fracasso. É cedo para determinar
se isso é verdade.
O mais provável é que a Coreia do Norte tenha jogado seu
chocalho nuclear do carrinho
em um esforço para atrair a
atenção de Barack Obama. O
americano atribuiu a Pyongyang uma posição bastante baixa em uma lista de prioridades
dominada pelos esforços de
reanimar a economia interna e
enfrentar as ameaças terroristas que fervilham no Afeganistão e no Paquistão. Os EUA assumiram a posição de que conversarão com Pyongyang quando chegar a hora, sem pressa.
Existe apenas uma coisa pior
do que ser objeto da conversa
alheia -é não ser objeto da
conversa alheia. Kim ficou devidamente ressentido. De abril
para cá, seu regime disparou
um míssil de longo alcance que
tem capacidade de atingir o
Alasca e reiniciou seu programa de enriquecimento de plutônio. Agora, testou uma bomba nuclear.
A atenção de Obama foi claramente conquistada,
e ele divulgou comunicado condenando a Coreia do Norte por
seu "temerário desafio à comunidade internacional".
A nota mencionava também
o fato de que a Coreia do Norte
não conquistaria "aceitação internacional" a não ser que
abandonasse seu programa nuclear. Mas a possibilidade preocupante é a de que Pyongyang
nem se importe com isso.
A sensação crescente em
Seul é a de que a Coreia do Norte possa estar tentando uma
corrida decisiva para atravessar a linha de chegada nuclear.
Até os últimos meses, a suposição generalizada era a de que
Kim usava a ameaça nuclear
como instrumento de troca para pressionar por diversas concessões: alimentos, petróleo,
dinheiro e negociações bilaterais com Washington.
Agora alguns importantes dirigentes especulam que a Coreia do Norte possa ter chegado
à conclusão de que a melhor ficha em uma negociação é uma
bomba nuclear funcional, instalada na ogiva de um míssil. Isso certamente mereceria a
completa atenção de Obama.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Texto Anterior: Brasil retarda chegada de novo embaixador do país a Pyongyang Próximo Texto: Presidente do Irã propõe a Obama debate na ONU Índice
|