São Paulo, domingo, 26 de agosto de 2007

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Vitória democrata deve ser esmagadora, afirma Wallerstein

Segundo sociólogo americano, com o fracasso republicano assessores de Bush estão "deixando o navio antes que afunde"

Para analista, que vem ao Brasil em setembro, ninguém em Washington quer assumir a culpa pelo inevitável colapso no Iraque

ANDREA MURTA
DA REDAÇÃO

Assombrado pelo fracasso no Iraque, o presidente dos EUA, George W. Bush, não só corre o risco de terminar seu segundo mandato isolado, mas deverá entregar de bandeja para os democratas a eleição presidencial de 2008, segundo o sociólogo americano Immanuel Wallerstein. "Os ratos estão abandonando o navio", disse Wallerstein à Folha, por telefone, de New Haven (Connecticut, EUA).
O sociólogo, que estará em Porto Alegre (RS) no dia 4 de setembro para uma apresentação no curso de altos estudos Fronteiras do Pensamento, do Copesul Cultural, diz crer que a Guerra do Iraque continuará a ser o tema dominante da política americana por muito tempo.
"Ninguém quer levar a culpa pela piora no Iraque depois que retirarem as tropas. Mas o colapso vai acontecer de todo jeito." Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
 

Folha - Qual será a pior parte do legado de Bush?
Wallerstein
- As coisas vão mal e não devem melhorar nos próximos cinco anos, e todos sabem que, de uma forma ou de outra, os EUA têm que sair do Iraque.
Quem será responsabilizado pelo golpe político monumental que a retirada das tropas irá causar? Essa é a questão principal da vida política dos EUA.
Democratas e republicanos vão continuar dizendo que os outros são culpados não apenas nas eleições do ano que vem, mas nos anos seguintes.

Folha - Vários assessores de Bush saíram do governo recentemente. Há uma crise da administração?
Wallerstein
- É normal que assessores saiam, mas aqui há uma pequena sensação de que os "ratos estão abandonando o navio" antes que ele afunde.
Não há muito de positivo que o governo Bush possa alcançar, mesmo para seus próprios padrões, antes de 2009. Nem mesmo os pré-candidatos republicanos querem se aproximar de Bush. Ainda mais significativo é o número de senadores republicanos, alguns de prestígio, que não vão se candidatar novamente no ano que vem porque crêem que vão perder. Este realmente não é um bom ano para os republicanos.

Folha - Os democratas têm um plano coerente de política externa para apresentar em 2008?
Wallerstein
- Depende do que você considera um plano coerente. Alguns candidatos, como Barack Obama, têm menos experiência em relações exteriores, mas isso não me preocupa muito. Estou mais preocupado com o que eles vão fazer, e isso não está claro. Todos falam que deveríamos sair do Iraque, mas não muito rápido. Eles não querem levar a culpa pelo colapso do Iraque depois que retirarem as tropas -mas esse colapso vai acontecer de todo jeito, quer os americanos saiam, quer não saiam.
O governo Bush atacou consideravelmente as liberdades civis em nome da luta contra o terrorismo. Os democratas vão voltar atrás nessa área? Não sei.
Haverá mudanças quando os democratas subirem ao poder, mas não será uma revolução.

Folha - O sr. fala com muita certeza de uma vitória democrata. Não há chance de reviravolta republicana?
Wallerstein
- Se as eleições fossem hoje, seria uma vitória democrata esmagadora, tanto na Casa Branca quanto no Senado.
Eu vou votar no Partido Democrata. Mas estamos em agosto, e a eleição é só em 2008.

Folha - A cautela dos pré-candidatos com o Iraque indica que o militarismo continua importante para os eleitores. Como o sr. vê a questão?
Wallerstein
- Os americanos não estão com a menor vontade de apoiar outras guerras -nem no Irã, nem no Paquistão, nem na Coréia do Norte, nem em lugar nenhum. Até as Forças Armadas vêm agindo como uma influência pacificadora nos EUA, porque sabem que não têm condições para lutar mais. Não creio que o país vá se engajar em nenhuma ação militar em um futuro próximo, mas há sempre a possibilidade de o vice-presidente [Dick Cheney], que é quem manda de verdade, resolver fazer outra guerra.

Folha - A crise dos mercados financeiros nos EUA reflete uma queda global do capitalismo?
Immanuel Wallerstein
- O sistema todo já está em crise há 50 anos, e uma de suas características é justamente a volatilidade dos mercados. O governo dos EUA e os consumidores americanos estão incrivelmente endividados. Muitos não conseguem pagar e todo o sistema vem abaixo. É o fenômeno normal do nosso tempo e não é tão diferente da crise dos mercados asiáticos em 1997. Aliás, crise é a palavra errada; o que temos são colapsos variados. Estamos esperando agora o colapso real da moeda americana. O dólar perdeu ao menos um terço de seu valor nos últimos 20 anos, e ainda estamos longe do fim.

Folha - Quais serão as alternativas se ocorrer um colapso?
Wallerstein

- Não haverá um domínio de nenhuma moeda como atualmente, creio. Teremos múltiplas moedas em reserva.
Uma boa quantidade de dinheiro irá para o euro, algumas irão para o iene [do Japão] e outras irão para moedas regionais. Poderá emergir uma moeda do Mercosul. E esta será uma situação muito mais saudável -a não ser para os EUA, é claro.

Folha - O sr. já disse que Europa e Japão serão dois novos pólos de acumulação de capital. O crescimento da China alterou o quadro?
Wallerstein
- Hoje eu diria que os pólos serão a Europa e o Leste Asiático, que deve ser visto como uma divisão entre China, Coréia do Sul e Japão. O Japão continua a ser economicamente o mais forte. A China é um país enorme, mas seu crescimento econômico hoje não é maior do que o da ex-União Soviética nos anos 1950 e 1960. A possibilidade de um eixo China-Japão-Coréia ainda terá de ser construída, mas, se acontecer, será um eixo extremamente poderoso.

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