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Vitória democrata deve ser esmagadora, afirma Wallerstein
Segundo sociólogo americano, com o fracasso republicano assessores de Bush estão "deixando o navio antes que afunde"
Para analista, que vem ao Brasil em setembro, ninguém em Washington quer assumir a culpa pelo inevitável colapso no Iraque
ANDREA MURTA
DA REDAÇÃO
Assombrado pelo fracasso no
Iraque, o presidente dos EUA,
George W. Bush, não só corre o
risco de terminar seu segundo
mandato isolado, mas deverá
entregar de bandeja para os democratas a eleição presidencial
de 2008, segundo o sociólogo
americano Immanuel Wallerstein. "Os ratos estão abandonando o navio", disse Wallerstein à Folha, por telefone, de
New Haven (Connecticut,
EUA).
O sociólogo, que estará em
Porto Alegre (RS) no dia 4 de
setembro para uma apresentação no curso de altos estudos
Fronteiras do Pensamento, do
Copesul Cultural, diz crer que a
Guerra do Iraque continuará a
ser o tema dominante da política americana por muito tempo.
"Ninguém quer levar a culpa
pela piora no Iraque depois que
retirarem as tropas. Mas o colapso vai acontecer de todo jeito." Leia a seguir os principais
trechos da entrevista.
Folha - Qual será a pior parte do legado de Bush?
Wallerstein - As coisas vão mal e
não devem melhorar nos próximos cinco anos, e todos sabem
que, de uma forma ou de outra,
os EUA têm que sair do Iraque.
Quem será responsabilizado
pelo golpe político monumental que a retirada das tropas irá
causar? Essa é a questão principal da vida política dos EUA.
Democratas e republicanos vão
continuar dizendo que os outros são culpados não apenas
nas eleições do ano que vem,
mas nos anos seguintes.
Folha - Vários assessores de Bush
saíram do governo recentemente. Há uma crise da administração?
Wallerstein - É normal que assessores saiam, mas aqui há
uma pequena sensação de que
os "ratos estão abandonando o
navio" antes que ele afunde.
Não há muito de positivo que o
governo Bush possa alcançar,
mesmo para seus próprios padrões, antes de 2009. Nem
mesmo os pré-candidatos republicanos querem se aproximar de Bush. Ainda mais significativo é o número de senadores republicanos, alguns de
prestígio, que não vão se candidatar novamente no ano que
vem porque crêem que vão perder. Este realmente não é um
bom ano para os republicanos.
Folha - Os democratas têm um plano coerente de política externa para
apresentar em 2008?
Wallerstein - Depende do que
você considera um plano coerente. Alguns candidatos, como
Barack Obama, têm menos experiência em relações exteriores, mas isso não me preocupa
muito. Estou mais preocupado
com o que eles vão fazer, e isso
não está claro. Todos falam que
deveríamos sair do Iraque, mas
não muito rápido. Eles não
querem levar a culpa pelo colapso do Iraque depois que retirarem as tropas -mas esse colapso vai acontecer de todo jeito, quer os americanos saiam,
quer não saiam.
O governo Bush atacou consideravelmente as liberdades
civis em nome da luta contra o
terrorismo. Os democratas vão
voltar atrás nessa área? Não sei.
Haverá mudanças quando os
democratas subirem ao poder,
mas não será uma revolução.
Folha - O sr. fala com muita certeza
de uma vitória democrata. Não há
chance de reviravolta republicana?
Wallerstein - Se as eleições fossem hoje, seria uma vitória democrata esmagadora, tanto na
Casa Branca quanto no Senado.
Eu vou votar no Partido Democrata. Mas estamos em agosto,
e a eleição é só em 2008.
Folha - A cautela dos pré-candidatos com o Iraque indica que o militarismo continua importante para os
eleitores. Como o sr. vê a questão?
Wallerstein - Os americanos não
estão com a menor vontade de
apoiar outras guerras -nem no
Irã, nem no Paquistão, nem na
Coréia do Norte, nem em lugar
nenhum. Até as Forças Armadas vêm agindo como uma influência pacificadora nos EUA,
porque sabem que não têm
condições para lutar mais. Não
creio que o país vá se engajar
em nenhuma ação militar em
um futuro próximo, mas há
sempre a possibilidade de o vice-presidente [Dick Cheney],
que é quem manda de verdade,
resolver fazer outra guerra.
Folha - A crise dos mercados financeiros nos EUA reflete uma queda
global do capitalismo?
Immanuel Wallerstein - O sistema
todo já está em crise há 50 anos,
e uma de suas características é
justamente a volatilidade dos
mercados. O governo dos EUA
e os consumidores americanos
estão incrivelmente endividados. Muitos não conseguem pagar e todo o sistema vem abaixo. É o fenômeno normal do
nosso tempo e não é tão diferente da crise dos mercados
asiáticos em 1997. Aliás, crise é
a palavra errada; o que temos
são colapsos variados. Estamos
esperando agora o colapso real
da moeda americana. O dólar
perdeu ao menos um terço de
seu valor nos últimos 20 anos, e
ainda estamos longe do fim.
Folha - Quais serão as alternativas
se ocorrer um colapso?
Wallerstein - Não haverá um domínio de nenhuma moeda como atualmente, creio. Teremos
múltiplas moedas em reserva.
Uma boa quantidade de dinheiro irá para o euro, algumas irão
para o iene [do Japão] e outras
irão para moedas regionais. Poderá emergir uma moeda do
Mercosul. E esta será uma situação muito mais saudável -a
não ser para os EUA, é claro.
Folha - O sr. já disse que Europa e
Japão serão dois novos pólos de acumulação de capital. O crescimento
da China alterou o quadro?
Wallerstein - Hoje eu diria que
os pólos serão a Europa e o Leste Asiático, que deve ser visto
como uma divisão entre China,
Coréia do Sul e Japão. O Japão
continua a ser economicamente o mais forte. A China é um
país enorme, mas seu crescimento econômico hoje não é
maior do que o da ex-União Soviética nos anos 1950 e 1960. A
possibilidade de um eixo China-Japão-Coréia ainda terá de
ser construída, mas, se acontecer, será um eixo extremamente poderoso.
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