São Paulo, sexta-feira, 26 de outubro de 2007

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Crises se refletem na visão dos argentinos sobre si mesmos

FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO

O Brasil é um jovem de cinco séculos. A Argentina, uma anciã de 200 anos. O país do futuro versus o do passado mítico. E, ao contrário do que estabelece o senso comum, a rivalidade do futebol não é uma relação simétrica: os vizinhos demonstram mais admiração por nossos craques do que o contrário.
As imagens acima aparecem quando argentinos e brasileiros falam de si mesmos e do vizinho e são resultado de uma pesquisa qualitativa transformada em livro na Argentina.
"Passiones Nacionales - Política y cultura en Brasil y Argentina", lançado neste mês, investiga as diferenças de visão de mundo, da política e da sociedade nos dois países e questiona quais ruídos elas podem trazer à evolução no Mercosul. Foram entrevistados dirigentes políticos e sociais e empresários em várias cidades.
"Os políticos e dirigentes dos dois lados da fronteira sabem muito bem a limitação de recursos econômicos e até políticas [para a integração]. O que o trabalho tenta mostrar tem a ver com as limitações culturais, que também geram condições que fogem à nossa vontade", afirma o antropólogo argentino Alejandro Grimson, co-autor e organizador do volume.
O livro passeia das telenovelas às representações pátrias e capta o senso comum aqui e lá ("os argentinos são arrogantes", "la alegría es brasileña"). No futebol, -"espécie de licença para ambas as partes expressarem todos os "atritos espirituais" da relação", diz Grimson-, a análise usa uma frase de um jornalista argentino, com jeito de piada: "Os brasileiros amam odiar os argentinos, enquanto os argentinos odeiam amar os brasileiros".
"A frase é emblemática para compreender a rivalidade entre os países", escreve o sociólogo brasileiro Ronaldo Helal, que analisou reportagens sobre futebol nos dois lados.

Inversão
O livro mostra uma inversão na percepção da relação nos últimos tempos. Se o Brasil em meados do século passado olhava para o vizinho com admiração por seus índices sociais melhores, o sentimento mudou: "Agora vemos os brasileiros olhando para a Argentina com um certa compaixão pela sucessão de crises. E no caminho inverso, os argentinos vêem um certo desenvolvimento industrial e do Estado que não conseguimos alcançar".
Os brasileiros ainda enxergam na Argentina um parceiro pouco confiável. "Se pudesse dialogar com os entrevistados, diria que esse sentimento está relacionado aos nossos ciclos históricos muito curtos nos últimos 20 anos, se comparados aos do Brasil", diz o antropólogo, citando os problemas do governo Alfonsín (1983-89) com a hiperinflação, as políticas liberais de Menem (1989-99) e a crise de 2001. "Mas o que não mudou, e tem de ficar claro, é o interesse no Mercosul."
É no processo histórico do país que também aparecem pistas do "passado mítico" e nenhuma referência o tal "futuro promissor" citado pelos brasileiros. "A idéia de passado tem a ver com um processo geracional e a contínua mobilidade social interrompida há 20 anos." Com o fim da crise, a percepção começa a mudar. "O horizonte fica mais previsível e faz as pessoas começarem a pensar no futuro. Mas é um processo lento e há a inflação, fantasma que ressurgiu nos últimos meses."


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