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Crises se refletem na visão dos argentinos sobre si mesmos
FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO
O Brasil é um jovem de cinco
séculos. A Argentina, uma anciã de 200 anos. O país do futuro versus o do passado mítico.
E, ao contrário do que estabelece o senso comum, a rivalidade
do futebol não é uma relação simétrica: os vizinhos demonstram mais admiração por nossos craques do que o contrário.
As imagens acima aparecem
quando argentinos e brasileiros
falam de si mesmos e do vizinho e são resultado de uma pesquisa qualitativa transformada
em livro na Argentina.
"Passiones Nacionales - Política y cultura en Brasil y Argentina", lançado neste mês, investiga as diferenças de visão de
mundo, da política e da sociedade nos dois países e questiona quais ruídos elas podem trazer à evolução no Mercosul. Foram entrevistados dirigentes
políticos e sociais e empresários em várias cidades.
"Os políticos e dirigentes dos
dois lados da fronteira sabem
muito bem a limitação de recursos econômicos e até políticas [para a integração]. O que o
trabalho tenta mostrar tem a
ver com as limitações culturais,
que também geram condições
que fogem à nossa vontade",
afirma o antropólogo argentino
Alejandro Grimson, co-autor e
organizador do volume.
O livro passeia das telenovelas às representações pátrias e
capta o senso comum aqui e lá
("os argentinos são arrogantes", "la alegría es brasileña").
No futebol, -"espécie de licença para ambas as partes expressarem todos os "atritos espirituais" da relação", diz Grimson-, a análise usa uma frase
de um jornalista argentino,
com jeito de piada: "Os brasileiros amam odiar os argentinos,
enquanto os argentinos odeiam
amar os brasileiros".
"A frase é emblemática para
compreender a rivalidade entre os países", escreve o sociólogo brasileiro Ronaldo Helal,
que analisou reportagens sobre
futebol nos dois lados.
Inversão
O livro mostra uma inversão
na percepção da relação nos últimos tempos. Se o Brasil em
meados do século passado
olhava para o vizinho com admiração por seus índices sociais melhores, o sentimento
mudou: "Agora vemos os brasileiros olhando para a Argentina
com um certa compaixão pela
sucessão de crises. E no caminho inverso, os argentinos
vêem um certo desenvolvimento industrial e do Estado que
não conseguimos alcançar".
Os brasileiros ainda enxergam na Argentina um parceiro
pouco confiável. "Se pudesse
dialogar com os entrevistados,
diria que esse sentimento está
relacionado aos nossos ciclos
históricos muito curtos nos últimos 20 anos, se comparados
aos do Brasil", diz o antropólogo, citando os problemas do governo Alfonsín (1983-89) com a
hiperinflação, as políticas liberais de Menem (1989-99) e a
crise de 2001. "Mas o que não
mudou, e tem de ficar claro, é o
interesse no Mercosul."
É no processo histórico do
país que também aparecem
pistas do "passado mítico" e nenhuma referência o tal "futuro
promissor" citado pelos brasileiros. "A idéia de passado tem a
ver com um processo geracional e a contínua mobilidade social interrompida há 20 anos."
Com o fim da crise, a percepção
começa a mudar. "O horizonte
fica mais previsível e faz as pessoas começarem a pensar no
futuro. Mas é um processo lento e há a inflação, fantasma que
ressurgiu nos últimos meses."
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