São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

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Rixa oculta dependência entre Índia e Paquistão, diz indiano

Duto com Irã em solo paquistanês pode ser solução energética indiana, segundo analista

Nayan Chanda, pesquisador de Yale, diz que Islamabad também precisa de mercado do país rival, mas disputa na Caxemira bloqueia relação


CLARA FAGUNDES
DA REDAÇÃO

Rivais nucleares separados pela religião em 1947, Índia e Paquistão estão unidos por interesses de Estado, afirma Nayan Chanda, pesquisador da Universidade Yale. Autor de mais de dez livros sobre política na Ásia, ele crê que a resolução do problema energético, principal desafio do "milagre indiano", passa também pelo Paquistão, rota entre o país e o petróleo e gás iranianos.
A disputada região da Caxemira e a ação de minorias radicais muçulmanas e hindus escamoteiam as afinidades, disse à Folha o indiano, que veio ao Brasil para a Semana Yale na Brazilian Business School. A paz depende, mais uma vez, da religião.

 

FOLHA - O sr. acredita que a redemocratização paquistanesa arrefecerá a desconfiança mútua entre o país e a Índia?
NAYAN CHANDA
- Há uma profunda afinidade entre os povos da Índia e do Paquistão. Falam a mesma língua, cantam as mesmas músicas e assistem aos mesmos filmes. Além disso, há interesses mútuos de Estado. O Paquistão se beneficiaria muito do acesso ao gigantesco mercado indiano e o país tem também um valor geopolítico crucial para a Índia. Se for construído um duto de petróleo e gás entre Irã e Índia, ele necessariamente atravessará o Paquistão. O principal obstáculo às relações bilaterais são os grupos extremistas, como o Taleban e a Al Qaeda. Enquanto o Paquistão não conseguir controlar esses grupos, a relação com a Índia será sempre tensa.

FOLHA - A Índia vive também um recrudescimento da violência religiosa. O nacionalismo hindu se aproxima do extremismo islâmico?
CHANDA
- O nacionalismo hindu vê na globalização uma ameaça à cultura tradicional indiana, em uma reação muito parecida à que ocorre no islã. Houve ataques recentes aos cristãos, mas foram condenados amplamente pela sociedade -mesmo o BJP [partido hindu de direita e principal legenda oposicionista] criticou os aliados regionais envolvidos. Muito mais perigoso que a animosidade com os cristãos, porém, é o sentimento antimuçulmano. Há 150 milhões de muçulmanos na Índia. A maioria deles é secular; a comunidade convive há séculos com os hindus. Mas há setores linha dura muçulmanos que adotam uma estratégia perversa. Promovem ataques a não-muçulmanos justamente para acirrar a reação antiislâmica e obter apoio da comunidade. Isso, aliado ao fato de que a questão da Caxemira continua mal resolvida, inflama conflitos.

FOLHA - Qual o impacto da crise atual na Índia? O país está relativamente imune, como em 1997?
CHANDA
- O impacto no sistema financeiro indiano foi pequeno. A economia ainda é relativamente fechada, a moeda não é conversível. Além disso, os bancos indianos foram cautelosos; apenas um tinha investimentos significativos em papéis podres. O governo diminuiu a exigência de depósito compulsório, aumentando a oferta de crédito. Então, o sistema bancário foi preservado. O impacto da crise na indústria leve indiana também é limitado, porque ela se volta sobretudo para o mercado interno, que continua aquecido. A crise afeta um dos principais produtos de exportação indiano, o setor de tecnologia da informação, de softwares. Os principais compradores são as multinacionais e haverá uma redução na demanda por esses serviços. Ao mesmo tempo, porém, a crise acelera o processo de reestruturação das empresas e a Índia se torna ainda mais atrativa pelo baixo custo.

FOLHA - Analistas prevêem que, em poucas décadas, a economia indiana supere a de todos os países europeus e fique atrás apenas da China e dos EUA. Acima o sr. relacionou a questão energética e o Paquistão. A Índia terá energia suficiente para sustentar o crescimento?
CHANDA
- É o principal desafio do "milagre" indiano. Atualmente, a Índia importa quase toda a energia que consome.
O país tem um programa ambicioso de expansão das usinas atômicas. O objetivo é que, até 2050, elas produzam entre 15% e 20% da energia consumida. Não acho que isso vá acontecer, é uma meta ambiciosa demais. Hoje as usinas produzem apenas 2%. A Índia também está desenvolvendo biocombustíveis, a partir da jatropha [pinhão-manso], entre outras frentes de pesquisa, como a eólica. Sem dúvida, a Índia terá que responder à questão energética para continuar a crescer.


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