São Paulo, terça-feira, 27 de janeiro de 2004

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IRAQUE OCUPADO

Para David Kay, corrupção inviabilizou o plano de armas iraquiano; Casa Branca vai rever informações

CIA exagerou sobre arsenal, diz ex-inspetor

DA REDAÇÃO

A principal justificativa citada pelos EUA e pelo Reino Unido para a Guerra do Iraque teve como base um grave erro de informação, afirmou o ex-chefe da equipe americana de busca de armas, David Kay, segundo quem Bagdá não possuía o arsenal proibido que Washington e Londres o acusavam de manter.
Com a credibilidade em xeque, o governo de George W. Bush anunciou a revisão das informações que o levaram a decidir pela guerra. "Queremos comparar a inteligência obtida antes da guerra com o que o Grupo de Pesquisa do Iraque [liderado por Kay] obteve em campo", disse o porta-voz da Casa Branca, Scott McClellan. Diferentemente do que vinha dizendo até então, ele não reiterou que o arsenal seria achado.
Dois membros graduados do governo -o vice-presidente, Dick Cheney, e o secretário da Justiça, John Ashcroft- saíram em defesa da decisão, afirmando que a guerra se justifica por ter livrado o país do ex-ditador Saddam Hussein.
Em entrevista ao jornal "The New York Times", Kay isentou o governo Bush, dizendo que não houve pressão sobre a CIA nem sobre o grupo que ele dirigiu para que confirmassem a posição da Casa Branca sobre a ameaça iraquiana. "A única coisa que eu ouvi do presidente Bush foi para descobrir a verdade", afirmou.

Saddam longe da realidade
O inspetor, que deixou o cargo na última sexta-feira após sete meses de trabalho, afirmou que a CIA (serviço secreto dos EUA) errou ao concluir que o Iraque possuía um arsenal químico e biológico, sem perceber que qualquer pretensão que Saddam tivesse de formá-lo foi inviabilizada pela corrupção dos cientistas do país.
Para ele, os erros de avaliação das informações coletadas pelas agências de inteligência americanas sobre o Iraque são tão graves que elas deveriam rever todo o seu procedimento.
Kay reafirmou para o "Times" não crer que o Iraque mantivesse armas proibidas. "Acho que eles reduziram o arsenal gradualmente nos anos 90 e, em dado momento, no meio da década, eliminaram totalmente o que restava."
Se algo eventualmente sobrou, afirmou Kay, foi destruído pelo bombardeio americano em 1998. Desde então, não teria mais havido produção porque os cientistas envolvidos nos projetos desviaram os recursos recebidos.
"A coisa toda se transformou de programas dirigidos em um processo corrupto", declarou. "O regime não estava mais no controle. Saddam dirigia sozinho projetos que não passavam pelo voto de mais ninguém, e os cientistas conseguiam falsificar programas."
Segundo o especialista, entrevistas com cientistas iraquianos e ex-membros do regime de Saddam o levaram a crer que o ex-ditador, nos dois últimos anos de governo, estivesse cada vez mais alienado da realidade. Com os programas de armas diretamente submetidos a ele, tornou-se fácil para os cientistas enganá-lo, apresentando projetos grandiosos que recebiam financiamento, mas nunca saíam do papel.
Quando tudo isso acontecia, a CIA, sem condições de enviar agentes próprios ao país, avaliava informações obtidas de dissidentes iraquianos e fontes terciárias. A situação piorou quando os inspetores da ONU deixaram o país, em 1998, e a inteligência americana se apoiou sobre informações precárias e duvidosas.

Justificativa
Questionado sobre as armas iraquianas durante uma visita que faz à Itália, o vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, disse apenas que a captura de Saddam justifica a guerra. "Hoje o ex-ditador está preso, não pode mais abrigar e apoiar terroristas, e seus esforços para obter armas de destruição em massa chegaram ao fim."
A observação de Ashcroft foi semelhante: "Creio ter ficado claro que Saddam Hussein continuasse a representar uma ameaça".
O grupo de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW) afirmou em seu relatório anual que a deposição de Saddam e o fim de seu violento regime não justificam a Guerra do Iraque, pois as atrocidades haviam deixado de ocorrer nos últimos anos.
"Tais intervenções devem se limitar a interromper carnificinas iminentes ou em curso", diz o documento divulgado ontem. "As ações do governo [dos EUA] mostram a crença perigosa em que na luta contra o terrorismo o Executivo esteja acima da lei."


Com agências internacionais


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