São Paulo, domingo, 27 de janeiro de 2008

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Reagan assombra republicanos

Fantasma do ex-presidente é evocado à exaustão na campanha nos EUA, mas ninguém consegue incorporá-lo

Candidatos atuais carecem da alquimia que fez do ex-ator de filmes B, morto em 2004, ícone do partido e congregador de facções

JOHN M. BRODER
DO "NEW YORK TIMES"

Hoje, parte do catecismo republicano envolve evocar regularmente o nome de Ronald Reagan [1981-1989] e procurar proteção ritual sob seu manto imaculado. Os candidatos republicanos deste ano (e até mesmo um democrata, Barack Obama) invocaram as bênçãos do espírito de Santo Ronald de Dillon, Illinois, para suas candidaturas.
Mas vai ser difícil que algum deles supere a bajulação-mor a Reagan, empreendida em 1995 pelo senador Bob Dole, que então iniciava sua batalha pela indicação presidencial republicana no ano seguinte."Eu desejo ser um novo Ronald Reagan", disse Dole a dirigentes do Partido Republicano na Filadélfia, "se é isso que vocês querem".
Com todas as suas admiráveis qualidades, Bob Dole era tão capaz de ser um novo Reagan quanto de se tornar uma nova Eleanor Roosevelt. E o mesmo se aplica à atual safra de pré-candidatos republicanos, por motivos tanto de política quanto de atitude ou de personalidade.
As três primeiras grandes disputas nas primárias republicanas foram vencidas diferentes candidatos; Mike Huckabee levou Iowa; John McCain venceu em New Hampshire; e Mitt Romney ganhou com folga no Michigan, onde ele passou a infância e a adolescência.
Cada um dos três conquistou o apoio de uma das porções da coalizão tripartite que conduziu Reagan à Casa Branca em 1980: os conservadores sociais, a linha dura quanto à segurança nacional e os proponentes de cortes nos impostos e de uma política mais favorável aos empresários. Com a exceção de McCain em New Hampshire, nenhum atraiu grande número de votos dos trabalhadores, conhecidos no passado como "os democratas pró-Reagan".

Cenário adverso
Nenhum deles conseguiu montar o pacote completo que fez de Reagan um presidente popular, e reeleito, depois de dois mandatos como governador da Califórnia, e tampouco há sinais de que outros candidatos, como Rudolph Giuliani, sejam capazes de fazê-lo.
Pessoas que estudaram ou trabalharam nas campanhas de Reagan consideram improvável que qualquer dos atuais pré-candidatos republicanos o faça. Até mesmo Reagan enfrentaria dificuldades para repetir a façanha no ambiente atual, eles afirmaram, dados os fardos de uma guerra preocupante, de uma proto-recessão e de um presidente republicano impopular com que o partido tem de arcar hoje em dia.
A despeito de seus esforços, os candidatos não se provaram capazes de recriar a alquimia que transformou o ator de filmes B nos anos 40 em Ronald Reagan, ícone do Partido Republicano. Não é apenas por que lhes falte o charme que caracterizava Reagan. O fato é que nenhum deles se dedicou como Reagan, de forma tão prolongada e assídua, a definir idéias e desenvolver uma base política e uma ideologia que tanto fomentava o movimento conservador que começava a crescer quanto se alimentava dessa tendência incipiente.
Entre os principais pré-candidatos republicanos, nenhum construiu um movimento nacional. Apenas McCain disputou a Presidência anteriormente. Dois outros foram governadores de Estados pequenos, e um foi prefeito de Nova York. Fred Thompson, que retirou sua candidatura na última terça-feira, só se assemelha a Reagan por ter sido ator, na série de TV "Law and Order".
Eles chegaram relativamente tarde às disputas, e se vêem forçados a tentar montar uma coalizão com base nos grupos desconexos que formam o eleitorado republicano das primárias; para isso, muitas vezes tentam adoçar seus currículos, alterando posições e reescrevendo históricos pessoais.
As idéias de Reagan sobre o livre mercado foram formuladas quando ele foi porta-voz publicitário da General Electric, nos anos 50 e no começo dos anos 60; suas opiniões sobre o comunismo tinham por base sua experiência como líder do Sindicato dos Atores de Cinema, nos anos 40; e seu senso de ordem social cresceu com base na desordem crescente que ele testemunhou nas universidades e cidades da Califórnia nos anos 60.
Quando chegou a eleição de 1980, Reagan era um líder político experiente, e provavelmente o mais eficiente dos oradores do país, o que permitiu que ele atraísse diferentes eleitorados, dos evangélicos aos neoconservadores que começavam a emergir.
Ele iniciou a campanha com um retrospecto conhecido e exibindo opiniões consistentes por mais de duas décadas. Seu currículo incluía sucesso eleitoral no mais populoso Estado do país e a experiência de duas campanhas frustradas pela indicação presidencial republicana. Reagan também foi beneficiado por disputar a eleição contra um oponente impopular, o presidente Jimmy Carter, e em um período de crise.
Além disso, costumava ser desconsiderado por seus oponentes e por muitos analistas, que o rotulavam como ator decadente, ignorante e fantoche da direita mais furibunda. Morton Kondracke, em artigo na revista "New Republic" no começo da campanha de 1980, definiu Reagan como "aquele duplo perdedor enrugado, aquele ex-ator visto como piada".
Talvez os especialistas atuais também estejam subestimando os candidatos republicanos deste ano. Quem quer que surja vitorioso da disputa certamente terá de exibir em alguma medida a persistência que caracterizava Reagan, bem como a aceitação junto a um eleitorado primário muito diversificado em termos geográficos, culturais e políticos.


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