São Paulo, sexta-feira, 27 de fevereiro de 2004

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IRAQUE OCUPADO

Segundo Clare Short, conversas do secretário-geral da ONU antes da guerra foram gravadas; Blair não nega

Londres grampeou Annan, diz ex-ministra

DA REDAÇÃO

A ex-ministra britânica do Desenvolvimento Internacional Clare Short disse ontem que o governo de seu país instalou equipamentos de escuta no gabinete do secretário-geral da ONU, Kofi Annan, no período anterior à invasão do Iraque. O premiê Tony Blair não rejeitou a acusação de espionagem, preferindo criticar a atitude de sua ex-subordinada.
Fred Eckhard, porta-voz de Annan, afirmou que, se de fato ocorreu, a escuta é ilegal, mas que a ONU não tomará nenhuma medida contra o Reino Unido.
Short, que renunciou a seu cargo no governo de Blair em 2003 por não concordar com a decisão de invadir o Iraque, fez suas declarações à Rádio 4 da BBC: "No caso do gabinete de Kofi, [a espionagem] foi feita por algum tempo. Eu li algumas transcrições em relatórios de suas conversas".
Em entrevista coletiva, Blair afirmou que os serviços secretos agiram "dentro das leis britânicas e internacionais". "Não vou comentar sobre o trabalho dos serviços de segurança. Nenhum primeiro-ministro comentou. Não tomem isso como uma indicação de que as alegações são verdadeiras. O fato de essas afirmações terem sido feitas (...) é profundamente irresponsável." Blair ainda atacou mais Short: "Não tenho respeito por quem põe [os agentes secretos] na linha de fogo".
O porta-voz Eckhard disse que a ONU não "está em posição para determinar se [a acusação] é verdadeira ou não", mas, se for o caso, o Reino Unido deve "parar com isso".
Para afirmar a ilegalidade da escuta, Eckhard citou a Convenção dos Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, de 1946, que é ratificada pelo Reino Unido. A convenção afirma que as propriedades e os bens da ONU "não estão sujeitos a serem investigados, confiscados e expropriados".
"O Secretariado-Geral [da ONU] rotineiramente adota medidas de defesa contra tais invasões de privacidade, e agora esses esforços serão intensificados", disse Eckhard. O porta-voz informou que a ONU não tomará medidas jurídicas. "Não vamos além de reafirmar o princípio da inviolabilidade e de instar os países a respeitar seus compromissos."
O diplomata espanhol Innocencio Arias resumiu o sentimento predominante na ONU, de resignação e pouco espanto: "Todo mundo espiona todo mundo".
O incidente é mais um que pode afetar a credibilidade de Blair dentro do Reino Unido. As pesquisas de opinião mostram uma queda na confiança da população no premiê, mas ele continua com apoio suficiente para conquistar um terceiro mandato em 2005.
No entanto, se a eleição fosse hoje, a maioria trabalhista no Parlamento se reduziria de 161 cadeiras para cerca da metade.

Segredos expostos
Blair também negou que tenha tido participação na decisão, revelada anteontem por promotores públicos, de arquivar, por falta de provas, as acusações contra Katharine Gun. A ex-funcionária do governo divulgou e-mail confidencial em que o serviço secreto dos EUA pede a colaboração britânica para espionar países integrantes do Conselho de Segurança da ONU.
A oposição britânica acredita que o caso tenha sido sepultado por temor de que, se as investigações prosseguissem, segredos sobre a decisão de ir à guerra acabariam expostos.


Com agências internacionais


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