São Paulo, terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

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Sérvia poderia ter evitado genocídio, diz Haia

Corte da ONU exime Belgrado de ordenar massacre de 8.000 muçulmanos em 1995, na Bósnia, mas aponta crime de omissão

Tribunal afirma que comando sérvio sabia que genocídio era iminente; decisão causa revolta entre sobreviventes da carnificina


Damir Sagolj/Reuters
Diante de painel com fotos de vítimas, sobreviventes do massacre de Srebenica lamentam o veredicto na cidade bósnia de Tulza


DA REDAÇÃO

No primeiro julgamento de um país por genocídio desde 1948, quando a Assembléia Geral da ONU criou uma convenção sobre o crime, a Corte Internacional de Justiça de Haia eximiu a Sérvia da acusação de ter ordenado o massacre de muçulmanos bósnios cometido em 1995, durante o sangrento conflito que se seguiu ao colapso da antiga Iugoslávia.
Entretanto, embora não tenha encontrado indícios de que o comando sérvio planejou a perseguição sistemática do grupo inimigo, a corte reconheceu como genocídio o massacre de quase 8.000 pessoas ocorrido na região bósnia de Srebenica, em julho de 1995. Ademais, a corte concluiu que as autoridades iugoslavas dispunham de indícios suficientes de que um genocídio era iminente.
"A corte observa que a República Federal da Iugoslávia [da qual a Sérvia é sucessora legal] estava em posição de influenciar os sérvios bósnios que planejaram e implementaram o genocídio em Srebrenica", concluiu o tribunal.
"A corte lembra que, embora não tenha concluído que a informação disponível às autoridades de Belgrado indicasse, como fato certo, que o genocídio era iminente, elas dificilmente poderiam ter ignorado os sérios riscos [de que ele ocorresse]."
A decisão dos 15 juízes da corte permanente da ONU afirma ainda que Belgrado deveria ter feito esforços maiores para evitar o que é considerado o maior massacre em solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial. Sua conclusão é de que o governo iugoslavo "não tomou nenhuma iniciativa para evitar as atrocidades", conforme requer a Convenção para a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio.
Foi a primeira vez que um Estado foi levado a julgamento nos termos da convenção desde sua criação, em 1948. Indivíduos, contudo, já foram condenados por genocídio por massacres na Bósnia e em Ruanda. A decisão da Corte de Haia provocou imensa revolta no governo da Bósnia, autor da acusação de genocídio que originou o julgamento, e entre as dezenas de sobreviventes do massacre de Srebenica, muitos dos quais foram à Holanda para esperar o veredicto na porta do tribunal.

Revolta
"Estou chocada. Isso é terrível", disse Hedija Krdzic, 34, que perdeu o marido, o pai e o avô em Srebrenica e estava ontem em Haia para protestar. "Eu vi com meus próprios olhos quem começou essa guerra e continuou com a agressão. Foram os sérvios."
Em um veredicto histórico, de 171 páginas, o tribunal, também conhecido como Corte Mundial, confirmou que o massacre cometido por forças servo-bósnias no encrave de Srebrenica, que matou quase 8 mil homens e meninos muçulmanos, foi um ato de genocídio.
Embora admitindo não ter como comprovar que Belgrado ordenou a carnificina, a corte afirma que o comando sérvio permitiu que ela acontecesse. Em seu veredicto, a corte ordena ainda que o Estado sérvio entregue dois suspeitos de arquitetar o massacre, Radovan Karadzic e Ratko Mladic, ambos foragidos.
"A corte concluiu que [a Sérvia] poderia e deveria ter agido para evitar o genocídio, mas não o fez", disse a britânica Rosalyn Higgins, presidente do tribunal.
Uma decisão que acusasse Belgrado de cometer genocídio abriria caminho para pedidos de indenização que poderiam alcançar bilhões de dólares. No plano político, poderia bloquear as negociações para a adesão da Sérvia à União Européia. A entrega de acusados de crimes de guerra foragidos à Justiça continua sendo uma das exigências da UE para que as conversações progridam.
O presidente da Sérvia, Boris Tadic, elogiou a decisão da corte e concordou que a cooperação com o tribunal da ONU é de importância crucial para o futuro da Sérvia: "A menos que a Sérvia finalmente coopere, o país enfrentará conseqüências políticas dramáticas". O chefe da política externa da UE, Javier Solana, elogiou o veredicto: "Saudamos o fato de não ter havido punição coletiva".


Com agências internacionais

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