|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Salazar é eleito "o grande português" em votação na TV
Ditador, morto em 1970, vive ressurreição midiática e, com 41% dos votos, ultrapassou reis e Camões em concurso de emissora estatal
VITORINO CORAGEM
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE
LISBOA
Protagonista de uma peça
teatral, tema de um futuro museu em sua terra natal e de livros biográficos, o ditador Antônio Oliveira Salazar (1889-1970) deu mais um passo no
que parece ser sua transformação em "fenômeno midiático"
em Portugal: foi o mais votado,
no domingo, em um concurso
da TV pública para escolher
"Os Grandes Portugueses".
Nem os reis dom Afonso
Henriques (1109-1185) e dom
João 2º (1455-1495), nem os
poetas Fernando Pessoa (1888-1935) e Camões, nem mesmo o
infante dom Henrique (1394-1460) foram páreo para o ditador. Salazar foi o escolhido por
41% dos telespectadores da TV
pública RTP1.
Em segundo lugar, com
31,1%, ficou Álvaro Cunhal, líder comunista e stalinista que
dedicou parte da sua vida a se
opor a Salazar. Foram validados 159.245 votos.
Com formato criado pela rede pública inglesa BBC, a escolha dos "Grandes Portugueses"
já havia gerado controvérsia no
país, em 2006, quando o nome
de Salazar surgiu entre as cem
figuras mais votadas pela internet -ele nem sequer constava
da lista inicial do canal.
Na primeira fase do concurso, 88.177 portugueses votaram
em 2.584 personalidades, entre
elas os jogadores de futebol Eusébio, Luís Figo e Cristiano Ronaldo, o ex-presidente Mário
Soares e a cantora Amália Rodrigues. Pedro Álvares Cabral
ficou em 49º lugar.
Salazar ganhou posto entre
os dez finalistas, e a escolha do
maior português foi por telefone, com chamada paga. Cada
candidato tinha um "defensor
público", responsável por preparar um documentário sobre
seus feitos.
A votação foi acompanhada
por uma empresa de consultoria. Em paralelo, a RTP encomendou à Eurosondagem um
estudo de opinião. D. Afonso
Henriques, o primeiro rei de
Portugal, Luís Vaz de Camões e
o infante d. Henrique foram os
nomes mais repetidos.
Para o diretor da TV, Nuno
Santos, a votação dos "Grandes
Portugueses" não foi uma eleição nacional, já que cada espectador poderia fazer o número
de telefonemas que entendesse, desde que por meio de telefones diferentes.
O programa já foi realizado
em vários países. Na Inglaterra
foi eleito Winston Churchill, na
França, Charles De Gaulle, e
nos EUA, Ronald Reagan.
Efeito Salazar
A presença de Salazar no programa reacendeu em Portugal
o debate sobre seu legado -ele
tomou posse na pasta das Finanças em 1928 e deixou o poder em 1968. Para seus defensores, equilibrou as finanças e
conseguiu que Portugal não
fosse à Segunda Guerra. Para os
detratores, apologista da trilogia Deus, Pátria e Família, perseguiu opositores e isolou Portugal, tornando-o um país pobre e ignorante.
Para Jaime Nogueira Pinto,
60, professor que defendeu o
vencedor, o ditador deixou como legado a idéia de que a nação é o mais importante. O historiador Rui Torgal afirmou
que a memória de Salazar "foi
fabricada" e que a votação era
como as do "Big Brother".
O ex-presidente Mário Soares acusou ontem a TV de manipulação e disse que o programa não tinha dignidade. Para o
jornalista Fernando Dacosta,
autor de "Máscaras de Salazar",
o resultado não revela simpatia
em relação ao ditador, mas irritação com as demissões massivas e reformas impopulares
promovidas pelo atual governo.
Poucos analistas, no entanto,
arriscam concluir que essa espécie de "ressurreição" de Salazar possa indicar alguma tendência ideológica do país.
Texto Anterior: Autonomia já foi suspensa duas vezes Próximo Texto: Saiba mais: Salazaristas tiveram o poder por 42 anos Índice
|