São Paulo, terça-feira, 27 de março de 2007

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Salazar é eleito "o grande português" em votação na TV

Ditador, morto em 1970, vive ressurreição midiática e, com 41% dos votos, ultrapassou reis e Camões em concurso de emissora estatal

VITORINO CORAGEM
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LISBOA

Protagonista de uma peça teatral, tema de um futuro museu em sua terra natal e de livros biográficos, o ditador Antônio Oliveira Salazar (1889-1970) deu mais um passo no que parece ser sua transformação em "fenômeno midiático" em Portugal: foi o mais votado, no domingo, em um concurso da TV pública para escolher "Os Grandes Portugueses".
Nem os reis dom Afonso Henriques (1109-1185) e dom João 2º (1455-1495), nem os poetas Fernando Pessoa (1888-1935) e Camões, nem mesmo o infante dom Henrique (1394-1460) foram páreo para o ditador. Salazar foi o escolhido por 41% dos telespectadores da TV pública RTP1.
Em segundo lugar, com 31,1%, ficou Álvaro Cunhal, líder comunista e stalinista que dedicou parte da sua vida a se opor a Salazar. Foram validados 159.245 votos.
Com formato criado pela rede pública inglesa BBC, a escolha dos "Grandes Portugueses" já havia gerado controvérsia no país, em 2006, quando o nome de Salazar surgiu entre as cem figuras mais votadas pela internet -ele nem sequer constava da lista inicial do canal.
Na primeira fase do concurso, 88.177 portugueses votaram em 2.584 personalidades, entre elas os jogadores de futebol Eusébio, Luís Figo e Cristiano Ronaldo, o ex-presidente Mário Soares e a cantora Amália Rodrigues. Pedro Álvares Cabral ficou em 49º lugar.
Salazar ganhou posto entre os dez finalistas, e a escolha do maior português foi por telefone, com chamada paga. Cada candidato tinha um "defensor público", responsável por preparar um documentário sobre seus feitos.
A votação foi acompanhada por uma empresa de consultoria. Em paralelo, a RTP encomendou à Eurosondagem um estudo de opinião. D. Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal, Luís Vaz de Camões e o infante d. Henrique foram os nomes mais repetidos.
Para o diretor da TV, Nuno Santos, a votação dos "Grandes Portugueses" não foi uma eleição nacional, já que cada espectador poderia fazer o número de telefonemas que entendesse, desde que por meio de telefones diferentes.
O programa já foi realizado em vários países. Na Inglaterra foi eleito Winston Churchill, na França, Charles De Gaulle, e nos EUA, Ronald Reagan.

Efeito Salazar
A presença de Salazar no programa reacendeu em Portugal o debate sobre seu legado -ele tomou posse na pasta das Finanças em 1928 e deixou o poder em 1968. Para seus defensores, equilibrou as finanças e conseguiu que Portugal não fosse à Segunda Guerra. Para os detratores, apologista da trilogia Deus, Pátria e Família, perseguiu opositores e isolou Portugal, tornando-o um país pobre e ignorante.
Para Jaime Nogueira Pinto, 60, professor que defendeu o vencedor, o ditador deixou como legado a idéia de que a nação é o mais importante. O historiador Rui Torgal afirmou que a memória de Salazar "foi fabricada" e que a votação era como as do "Big Brother".
O ex-presidente Mário Soares acusou ontem a TV de manipulação e disse que o programa não tinha dignidade. Para o jornalista Fernando Dacosta, autor de "Máscaras de Salazar", o resultado não revela simpatia em relação ao ditador, mas irritação com as demissões massivas e reformas impopulares promovidas pelo atual governo.
Poucos analistas, no entanto, arriscam concluir que essa espécie de "ressurreição" de Salazar possa indicar alguma tendência ideológica do país.


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