São Paulo, segunda-feira, 27 de maio de 2002

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Segundo analista, país deve viver recrudescimento da guerra civil

DO ENVIADO ESPECIAL À COLÔMBIA

Com a vitória de Alvaro Uribe na eleição de ontem, os colombianos devem esperar um recrudescimento da guerra civil e uma forte reação da guerrilha, com poder para desestabilizar o Estado. A análise é de Camilo González Posso, integrante do gabinete no governo César Gaviria (1990-1994) e atual presidente do Indepaz (Instituto para o Desenvolvimento e para a Paz).
"O programa que propôs Uribe como candidato prevê uma negociação como algo posterior a uma fase de confrontação militar", afirma González. "Isso significa mais vítimas e o empobrecimento do país. É um caminho desnecessário, baseado em um cálculo puramente político", diz.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida por González à Folha, em Bogotá. (RW)

Folha - O que os colombianos podem esperar caso a vitória de Uribe seja confirmada?
Camilo González Posso -
O programa que propôs Uribe como candidato à Presidência prevê uma negociação como algo posterior a uma fase de confrontação militar e a imposição de novas regras para a guerrilha.
Os condicionamentos dele são muito mais exigentes, então o conflito terá um recrudescimento. Sua proposta está toda baseada na segurança, no fortalecimento da força pública, nos grupos privados de segurança.

Folha - E o que isso significaria em termos práticos?
González -
Um aumento no número de vítimas e o empobrecimento do país. É um caminho desnecessário, baseado em um cálculo puramente político.

Folha - E as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) teriam condições de ameaçar o Estado colombiano?
González -
Se houver uma escalada de todos os componentes militares, com a intervenção externa muito mais generalizada com o apoio ao Plano Colômbia, as Farc teriam capacidade de desestabilização e de passar a uma guerra de sabotagem econômica, de destruição da infra-estrutura e de bens públicos, de ações de terror. Uma intensificação da confrontação levaria a uma reação da guerrilha de maneira mais desestabilizadora.

Folha - Os paramilitares avançariam no governo Uribe?
González -
Acho que não somente num governo de Uribe, mas qualquer que seja o vencedor, se o que houver for uma escalada da guerra, sem diálogo, sem negociação, sem elementos de solução política que possam diminuir a intensidade do conflito, haverá uma intensificação da ação paramilitar.
Neste momento, as principais ações de combate que se desenvolvem contra a guerrilha são feitas pelos paramilitares. Que têm como característica o total desrespeito às normas humanitárias de proteção à população civil. Acho que isso não depende de Uribe, seria uma consequência de qualquer política que pusesse mais ênfase na solução militar.

Folha - Uribe foi acusado nas últimas semanas de campanha de ter vínculos com paramilitares e com o narcotráfico. Essas acusações poderiam provocar o mesmo tipo de reação americana como a que houve quando o presidente Ernesto Samper (1994-1998) foi acusado de receber doações de narcotraficantes em sua campanha e teve negado visto de entrada nos EUA?
González -
Acho que não. O fator de direitos humanos e também o fator do narcotráfico têm um peso distinto hoje para a política externa dos EUA do que tinham na época do governo Samper. Agora o tema da segurança nacional e do combate ao terrorismo têm uma ênfase muito maior. Isso inclusive significa uma flexibilização da política de direitos humanos na administração de George W. Bush. Há aí uma margem maior de permissividade.

Folha - O atual presidente, Andrés Pastrana, falhou em suas duas principais bandeiras -o combate ao narcotráfico e o processo de paz. Neste período de transição até o próximo governo ele terá como reverter essa sensação de fracasso?
González -
É muito pouco provável que o presidente Pastrana retome nesse período de transição o caminho da solução negociada para o conflito. Porque ele se meteu num túnel sem saída ao adotar essa política de ruptura dos diálogos, que gerou uma fase de confrontação. Ele tentou antecipar o que seria uma das políticas de Uribe. Fechou assim capacidade de manobra. Ele agora tem muito poucas possibilidades de mudar a dinâmica dos acontecimentos.


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