São Paulo, quinta-feira, 27 de maio de 2004

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DIREITOS HUMANOS

Relatório diz que guerra ao terror tem efeito equivalente ao de atentados; para ONG, crise é a pior em 50 anos

Anistia compara EUA a grupos terroristas

FABIO ZANINI
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM LONDRES

Violações de direitos humanos em 2003 foram cometidas com a mesma intensidade por grupos terroristas como a Al Qaeda e por vários governos, principalmente o dos EUA, que liderou a invasão ao Iraque e conduz a guerra ao terrorismo. A conclusão consta do relatório anual divulgado ontem em Londres pela Anistia Internacional, um dos principais grupos de defesa dos direitos humanos do mundo.
"Milhões de pessoas estão pagando um preço alto por uma guerra aos valores, padrões e instituições globais, uma guerra promovida com igual vigor por governos e grupos armados, cada um alimentando o outro em um círculo vicioso", disse a secretária-geral da Anistia, Irene Khan.
Segundo Khan, não é um exagero dizer que a situação dos direitos humanos hoje é a pior dos últimos 50 anos. "Existe uma cultura de desrespeito espalhada pelo mundo."
A maior parte das críticas da Anistia, no entanto, foi claramente dirigida ao governo dos EUA, que tem levado adiante uma "guerra ao terrorismo desprovida de visão e princípios". "Ao sacrificar direitos humanos em nome da segurança nacional, ao ignorar abusos e utilizar força preventivamente quando e onde os poderosos escolhem, a guerra ao terrorismo prejudicou a justiça e a liberdade e tornou o mundo um lugar mais perigoso e dividido", afirmou a secretária-geral.
Praticamente metade do discurso de apresentação do relatório foi dedicada a criticar a ação dos EUA no Iraque e no Afeganistão e na prisão de supostos terroristas sem acusação em Guantánamo (Cuba), o que, para Khan, é um "edema na face da humanidade".
Como resultado, "os EUA perderam sua proeminência moral e sua capacidade de liderar esforços pela paz e pelos direitos humanos em lugares como Israel", afirmou.
O relatório critica Israel por ter matado 600 palestinos em 2003, cem deles crianças, a maioria "ilegalmente". Apenas um parágrafo do texto contém críticas a grupos terroristas. "Condenamos os ataques cruéis, criminosos e insensíveis de grupos armados, sejam as Farc [Colômbia], o Hamas [palestino] ou a Al Qaeda -nos termos mais fortes possíveis, como crimes contra a humanidade."
Acusando os americanos de "obsessão" em desarmar o ex-ditador iraquiano Saddam Hussein, a secretária-geral da Anistia, uma organização com escritórios em 150 países e orçamento anual equivalente a R$ 150 milhões, disse que as "verdadeiras armas de destruição em massa" foram ignoradas no processo. Ela citou a epidemia de Aids, o racismo, o tráfico de armas e a violência contra mulheres.
Khan disse que as torturas na prisão iraquiana de Abu Ghraib são o resultado da política de Bush de colocar-se fora do alcance das leis internacionais. "Parece que a responsabilidade em Washington só é gerada pela Kodak", disse, ironicamente, em referência às fotos que obrigaram o governo americano a abrir uma nova investigação.
Ao comentar o tom crítico aos EUA, Khan justificou dizendo que "são os governos, principalmente, que têm a responsabilidade de mudar a atual situação".
A secretária-geral divulgou ainda algumas tendências "positivas" no mundo, como a intenção da Suprema Corte dos EUA de examinar alguns dos casos de detidos na guerra contra o terrorismo, o crescente respeito aos direitos das mulheres no mundo árabe e o crescimento da sociedade civil organizada.


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