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João Goulart era "oportunista", disse CIA
Avaliação está em documento tornado público ontem, parte de 11 mil páginas dos anos 50 a 70 sobre ex-URSS e China
Foco na região era Cuba, mas é mencionada o que a agência chama de "ascensão da esquerda" no Brasil; dom Hélder e Brizola são citados
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
O Brasil "é o maior alvo" do
comunismo na América Latina,
e o presidente João Goulart,
"um oportunista que ascendeu
ao governo com o apoio da esquerda e tenta, desde então, aumentar seu poder pessoal ao fazer concessões, alternadamente, à direita é à esquerda". Já
Leonel Brizola se tornou "o líder demagogo antiamericano"
brasileiro, "com propaganda
fortemente financiada por industriais nacionalistas".
A avaliação sobre a situação
das esquerdas no Brasil nos
anos 60 é da CIA, a agência de
inteligência norte-americana,
em documentos até então secretos divulgados na tarde de
ontem e colocados no endereço
oficial do órgão, www.cia.gov.
São mais de 11 mil páginas abertas agora, a maioria com análises sobre a antiga União Soviética, a China e as relações entre
os dois países nas décadas de
1950 a 70.
É nesse contexto que entra o
Brasil, um dos países em que os
"dissidentes pró-chineses" são
os que mais se fortalecem dentro dos Partidos Comunistas
nacionais, segundo o texto, escrito em novembro de 1963. É
ali que está o "grande, semilegal
e ortodoxo Partido Comunista
Brasileiro (PCB), liderado por
Luís Carlos Prestes", que por
anos tenta "com algum sucesso" expandir sua rede de influência.
Para tanto, afirma a CIA, o líder usa "uma complexa rede de
relações com forças esquerdistas extremamente diversas e
forças nacionalistas". A análise
de 172 páginas é intitulada "A
Luta Sino-Soviética em Cuba e
o Movimento Comunista na
América Latina", e a parte brasileira está num apêndice sobre
a preocupação principal: Cuba.
Depois de citar o então presidente brasileiro e seu "genro"
(na verdade, cunhado) Brizola,
o texto elenca "o deputado federal Antonio Garcia, que tentou usar a organização dos sargentos militares que liderou
para avançar a causa da esquerda e contra os EUA; Francisco
Julião, advogado que lidera
uma liga camponesa em Pernambuco com estreitas ligações com Castro; Miguel Arraes, novo governador de Pernambuco, fortemente pró-comunista, mas que aparentemente ainda não é sujeito à disciplina" do partido.
A vida política brasileira é
"bem complicada", admite o
documento, para então citar a
ambigüidade histórica de Goulart em relação ao PCB e depois
dizer que Julião e Prestes visitaram Cuba em 1963, após Fidel cortar a ajuda financeira
que dava e "numa tentativa
aparente de coordenar as ações
[brasileiras] com os soviéticos".
Outro documento, "A Igreja
Engajada e a Mudança na América Latina", de 60 páginas, divide a presença e a ação da Igreja Católica no continente entre
"reacionários" e "progressistas". No segundo caso está dom
Hélder Câmara, "provavelmente o mais dramático e amplamente conhecido".
"Seu forte é fazer publicidade
e exigir publicamente reformas, sem oferecer soluções
práticas para os problemas que
ele cita", afirma a CIA, "uma tática que provavelmente afasta
mais os não-alinhados do que
os atrairá". O texto cita ainda a
TFP brasileira como uma das
organizações reacionárias líderes da América Latina, "que recebe apoio de empresários interessados em suprimir influências reformistas na igreja
brasileira".
Visto mais de quatro décadas
depois, os textos menos fazem
revelações do que atestam o óbvio. O que chama mais a atenção é o uso liberal de adjetivos
ao se referir a líderes e personalidades estrangeiras (chamar o
presidente brasileiro de "oportunista" publicamente criaria
um incidente diplomático então), daí o secretismo à época.
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