São Paulo, quarta-feira, 27 de junho de 2007

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João Goulart era "oportunista", disse CIA

Avaliação está em documento tornado público ontem, parte de 11 mil páginas dos anos 50 a 70 sobre ex-URSS e China

Foco na região era Cuba, mas é mencionada o que a agência chama de "ascensão da esquerda" no Brasil; dom Hélder e Brizola são citados

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

O Brasil "é o maior alvo" do comunismo na América Latina, e o presidente João Goulart, "um oportunista que ascendeu ao governo com o apoio da esquerda e tenta, desde então, aumentar seu poder pessoal ao fazer concessões, alternadamente, à direita é à esquerda". Já Leonel Brizola se tornou "o líder demagogo antiamericano" brasileiro, "com propaganda fortemente financiada por industriais nacionalistas".
A avaliação sobre a situação das esquerdas no Brasil nos anos 60 é da CIA, a agência de inteligência norte-americana, em documentos até então secretos divulgados na tarde de ontem e colocados no endereço oficial do órgão, www.cia.gov. São mais de 11 mil páginas abertas agora, a maioria com análises sobre a antiga União Soviética, a China e as relações entre os dois países nas décadas de 1950 a 70.
É nesse contexto que entra o Brasil, um dos países em que os "dissidentes pró-chineses" são os que mais se fortalecem dentro dos Partidos Comunistas nacionais, segundo o texto, escrito em novembro de 1963. É ali que está o "grande, semilegal e ortodoxo Partido Comunista Brasileiro (PCB), liderado por Luís Carlos Prestes", que por anos tenta "com algum sucesso" expandir sua rede de influência.
Para tanto, afirma a CIA, o líder usa "uma complexa rede de relações com forças esquerdistas extremamente diversas e forças nacionalistas". A análise de 172 páginas é intitulada "A Luta Sino-Soviética em Cuba e o Movimento Comunista na América Latina", e a parte brasileira está num apêndice sobre a preocupação principal: Cuba.
Depois de citar o então presidente brasileiro e seu "genro" (na verdade, cunhado) Brizola, o texto elenca "o deputado federal Antonio Garcia, que tentou usar a organização dos sargentos militares que liderou para avançar a causa da esquerda e contra os EUA; Francisco Julião, advogado que lidera uma liga camponesa em Pernambuco com estreitas ligações com Castro; Miguel Arraes, novo governador de Pernambuco, fortemente pró-comunista, mas que aparentemente ainda não é sujeito à disciplina" do partido.
A vida política brasileira é "bem complicada", admite o documento, para então citar a ambigüidade histórica de Goulart em relação ao PCB e depois dizer que Julião e Prestes visitaram Cuba em 1963, após Fidel cortar a ajuda financeira que dava e "numa tentativa aparente de coordenar as ações [brasileiras] com os soviéticos".
Outro documento, "A Igreja Engajada e a Mudança na América Latina", de 60 páginas, divide a presença e a ação da Igreja Católica no continente entre "reacionários" e "progressistas". No segundo caso está dom Hélder Câmara, "provavelmente o mais dramático e amplamente conhecido".
"Seu forte é fazer publicidade e exigir publicamente reformas, sem oferecer soluções práticas para os problemas que ele cita", afirma a CIA, "uma tática que provavelmente afasta mais os não-alinhados do que os atrairá". O texto cita ainda a TFP brasileira como uma das organizações reacionárias líderes da América Latina, "que recebe apoio de empresários interessados em suprimir influências reformistas na igreja brasileira".
Visto mais de quatro décadas depois, os textos menos fazem revelações do que atestam o óbvio. O que chama mais a atenção é o uso liberal de adjetivos ao se referir a líderes e personalidades estrangeiras (chamar o presidente brasileiro de "oportunista" publicamente criaria um incidente diplomático então), daí o secretismo à época.


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