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OPINIÃO
Crise não acabou, e pouca coisa foi feita para superá-la
KEVIN CASAS-ZAMORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não imaginei que, um ano
após a deposição de Manuel
Zelaya, eu continuaria a escrever artigos sobre o tema.
Pensei que, a estas alturas,
a crise estaria resolvida e que
a imagem de um presidente
exilado trajando pijama teria
passado a ser apenas mais
uma contribuição hondurenha excêntrica para o mostruário de nossa realidade.
Apesar de discursos acalorados pronunciados em círculos conservadores de Tegucigalpa e Washington, que
anunciaram o final feliz da
trama após a eleição de Porfirio Lobo em novembro, é evidente que a implosão de um
ano atrás não foi superada.
Zelaya continua exilado, a
tensão política e a violência
não param de crescer, Honduras continua excluída da
OEA, e nove países da região
continuam se negando a reconhecer o governo atual.
Ao cabo de 12 meses, o que
aconteceu é pouco mais que
a restauração de uma ordem
política cujo apego à democracia é duvidoso e cujas precariedades terríveis continuam desatendidas. A crise
não apenas não terminou: o
que é realmente grave é o
pouco que vem sendo feito
para deixá-la para trás.
O caminho para reconciliar o país e construir uma democracia saudável é longo.
Ele exige a improvável disposição da classe política hondurenha em enfrentar desafios profundos em matéria de
equidade e governabilidade.
À base da difícil situação
política de Honduras se encontram níveis atrozes de exclusão social, que fazem do
populismo uma tentação irresistível. Eles não poderão
ser reduzidos se a base de
sustentação fiscal do Estado
continuar precária.
ESFORÇO SÉRIO
Honduras precisa de um
esforço sério rumo a um
"pacto fiscal" que possibilite
o aumento da carga tributária (13% do PIB) e uma distribuição mais equitativa dela.
Do mesmo modo, para corrigir a desconfiança profunda nas instituições democráticas, é urgente despolitizar
as instituições encarregadas
de controlar o exercício do
poder, que carecem de autonomia frente aos partidos.
Não obstante o fato de a
classe política hondurenha
não ter dado prova de estar à
altura desses desafios, enfrentá-los é, fundamentalmente, uma tarefa que cabe
aos hondurenhos.
A esta altura é tão absurdo
quanto hipócrita continuar
negando reconhecimento ao
governo de Lobo, nascido de
eleições bem mais corretas
que as do Irã, que países como Brasil e Venezuela se
apressaram a aceitar.
Não é irracional, em troca,
impor às autoridades hondurenhas condições mínimas
para normalizar sua relação
com o mundo.
É crucial exigir a execução
cabal de uma das cláusulas
centrais do acordo de Tegucigalpa/San José, negociado
durante a crise: a instalação
de uma Comissão da Verdade para investigar fatos anteriores e posteriores ao golpe.
A comissão foi instalada
em maio mediante decreto
assinado por Lobo. Contudo,
tem tido que superar resistências consideráveis para
investigar os abusos dos direitos humanos ocorridos no
país depois do golpe.
Deveria ser exigido pelo
menos um compromisso indiscutível do Estado de Honduras de cooperar com a comissão e estudar suas recomendações seriamente, antes de considerar a readmissão de Honduras na OEA.
Para que a crise hondurenha possa realmente ser superada, é crucial entender
que a saída de Zelaya não fez
de Honduras um lugar seguro para a democracia.
Lobo merece reconhecimento por, em seus primeiros meses de governo, ter dado mostras de estar disposto
a fazer gestos na direção da
reconciliação do país.
Mas isso é pouco diante do
que ainda resta por fazer.
Proclamar o fim dessa "débâcle" em clima de triunfo é fazer um desfavor ao povo hondurenho e convidar a desventuras políticas futuras.
KEVIN CASAS-ZAMORA é pesquisador
sênior do Instituto Brookings e ex-vice-presidente de Costa Rica
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