São Paulo, domingo, 27 de junho de 2010

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OPINIÃO

Crise não acabou, e pouca coisa foi feita para superá-la

KEVIN CASAS-ZAMORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não imaginei que, um ano após a deposição de Manuel Zelaya, eu continuaria a escrever artigos sobre o tema.
Pensei que, a estas alturas, a crise estaria resolvida e que a imagem de um presidente exilado trajando pijama teria passado a ser apenas mais uma contribuição hondurenha excêntrica para o mostruário de nossa realidade. Apesar de discursos acalorados pronunciados em círculos conservadores de Tegucigalpa e Washington, que anunciaram o final feliz da trama após a eleição de Porfirio Lobo em novembro, é evidente que a implosão de um ano atrás não foi superada.
Zelaya continua exilado, a tensão política e a violência não param de crescer, Honduras continua excluída da OEA, e nove países da região continuam se negando a reconhecer o governo atual.
Ao cabo de 12 meses, o que aconteceu é pouco mais que a restauração de uma ordem política cujo apego à democracia é duvidoso e cujas precariedades terríveis continuam desatendidas. A crise não apenas não terminou: o que é realmente grave é o pouco que vem sendo feito para deixá-la para trás.
O caminho para reconciliar o país e construir uma democracia saudável é longo. Ele exige a improvável disposição da classe política hondurenha em enfrentar desafios profundos em matéria de equidade e governabilidade.
À base da difícil situação política de Honduras se encontram níveis atrozes de exclusão social, que fazem do populismo uma tentação irresistível. Eles não poderão ser reduzidos se a base de sustentação fiscal do Estado continuar precária.

ESFORÇO SÉRIO
Honduras precisa de um esforço sério rumo a um "pacto fiscal" que possibilite o aumento da carga tributária (13% do PIB) e uma distribuição mais equitativa dela.
Do mesmo modo, para corrigir a desconfiança profunda nas instituições democráticas, é urgente despolitizar as instituições encarregadas de controlar o exercício do poder, que carecem de autonomia frente aos partidos.
Não obstante o fato de a classe política hondurenha não ter dado prova de estar à altura desses desafios, enfrentá-los é, fundamentalmente, uma tarefa que cabe aos hondurenhos.
A esta altura é tão absurdo quanto hipócrita continuar negando reconhecimento ao governo de Lobo, nascido de eleições bem mais corretas que as do Irã, que países como Brasil e Venezuela se apressaram a aceitar.
Não é irracional, em troca, impor às autoridades hondurenhas condições mínimas para normalizar sua relação com o mundo.
É crucial exigir a execução cabal de uma das cláusulas centrais do acordo de Tegucigalpa/San José, negociado durante a crise: a instalação de uma Comissão da Verdade para investigar fatos anteriores e posteriores ao golpe.
A comissão foi instalada em maio mediante decreto assinado por Lobo. Contudo, tem tido que superar resistências consideráveis para investigar os abusos dos direitos humanos ocorridos no país depois do golpe.
Deveria ser exigido pelo menos um compromisso indiscutível do Estado de Honduras de cooperar com a comissão e estudar suas recomendações seriamente, antes de considerar a readmissão de Honduras na OEA.
Para que a crise hondurenha possa realmente ser superada, é crucial entender que a saída de Zelaya não fez de Honduras um lugar seguro para a democracia.
Lobo merece reconhecimento por, em seus primeiros meses de governo, ter dado mostras de estar disposto a fazer gestos na direção da reconciliação do país.
Mas isso é pouco diante do que ainda resta por fazer. Proclamar o fim dessa "débâcle" em clima de triunfo é fazer um desfavor ao povo hondurenho e convidar a desventuras políticas futuras.


KEVIN CASAS-ZAMORA é pesquisador sênior do Instituto Brookings e ex-vice-presidente de Costa Rica


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