São Paulo, quinta-feira, 27 de julho de 2006

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entrevista

"Risco de nova guerra civil no Líbano é real"

DO ENVIADO ESPECIAL A BEIRUTE

O risco de uma nova guerra civil no Líbano é real e só será definitivamente afastado com o desarmamento do Hizbollah e a neutralização das forças externas que desestabilizam o país, leia-se Síria e Irã. A opinião é de Carlos Eddé, 57, um brasileiro que há seis anos assumiu o legado político da família e tornou-se secretário-geral do Bloco Nacional. É um partido sem deputados, mas com grande influência. Prova disso é que Eddé estava entre os que participaram da reunião de emergência mantida em Beirute na segunda-feira pela secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice. A seguir, trechos da entrevista concedida por ele à Folha na Vila Eddé, no centro antigo de Beirute, mansão que foi do avô, Emile Eddé, terceiro presidente do Líbano (1936-1941). (MN)

 

FOLHA - Para onde caminhava o Líbano antes desta crise?
CARLOS EDDÉ -
Para uma crise. O Líbano saiu enfraquecido do processo de independência da Síria, pois não conseguiu resolver todos os problemas pendentes. O principal deles era uma necessidade libanesa e uma exigência internacional, o desarmamento de todas as facções armadas. Estamos falando principalmente de dois grandes grupos, o Hizbollah e as organizações palestinas nos campos de refugiados.

FOLHA - Em que ponto estava a conferência nacional em torno do desarmamento do Hizbollah?
CARLOS EDDÉ -
O debate não deu em nada porque o Hizbollah se outorgou o direito de veto. Não um veto legal, mas de fato. Sendo um grupo armado, dissuadia toda discussão política. Apesar disso, o Hizbollah estava sob pressão. Se seu poder militar fosse abalado, seu poder de influenciar a política no Líbano diminuiria. Esse é apenas o lado interno da questão.

FOLHA - Qual o outro?
EDDÉ -
Quando se é financiado por mais de duas décadas pelo Irã, acaba-se sendo devedor dessa ajuda mensal. Isso também se aplica à Síria. Muitos analistas no Líbano, eu inclusive, acham que essa iniciativa contra Israel jamais poderia ter ocorrido só por questões internas.

FOLHA - Era possível prever que a reação de Israel seria tão forte?
EDDÉ -
Nós que sofremos durante décadas a violência de Israel e a sua determinação de usar todos os meios, inclusive contra os civis, e sabemos como trata os palestinos nos territórios ocupados, sabíamos que a reação israelense poderia ser fora de proporção. Por outro lado, as últimas declarações de Israel e as declarações dos EUA em relação ao Irã nos fizeram pressentir que poderia haver algum tipo de operação contra o Hizbollah. Mas todos foram surpreendidos pela amplitude dessa reação.

FOLHA - Que cenários possíveis o sr. vê como resultado da crise?
EDDÉ -
Um é a vitória militar israelense. O outro seria uma retirada israelense sem alcançar seu objetivo de destruir o aparato militar do Hizbollah. O terceiro, um retorno ao status quo anterior à crise. Os três seriam péssimos para a democracia libanesa, pois demonstrariam a impotência do governo.

FOLHA - Israel se diz disposto a negociar diretamente com o governo libanês. Durante a ocupação síria, o Líbano dizia que qualquer negociação teria de ser em um processo de paz envolvendo Damasco. E agora?
EDDÉ -
O governo libanês não negocia e não negociará com o governo israelense. O Líbano tem de ser o último país árabe a assinar a paz com Israel. Não podemos ser tachados de traidores. A sociedade libanesa é dividida o suficiente. Segundo, nós temos o maior número de refugiados palestinos entre os países árabes, entre 300 e 400 mil, quase 10% da população, vivendo em condições extremamente difíceis.

FOLHA - O risco de uma nova guerra civil é real?
EDDÉ -
O risco é real, mas por enquanto não é provável. Para evitá-la, o ideal é que não houvesse uma facção armada fora o governo. Em segundo lugar, é preciso neutralizar as influências externas que provocam distúrbios no Líbano. Me refiro à Síria.


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