São Paulo, segunda-feira, 27 de agosto de 2001

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FUTURO PAÍS
Território escolhe Constituinte em meio a críticas à administração das Nações Unidas

Eleição em Timor é teste para ONU

FÁBIO ZANINI
DA REPORTAGEM LOCAL

Após colher fiascos em Ruanda, Serra Leoa e nos Bálcãs, a ONU (Organização das Nações Unidas) terá a chance de restituir ao menos em parte sua credibilidade na resolução de conflitos.
Na próxima quinta-feira, a organização promove as primeiras eleições livres em Timor Leste, território que administra desde 1999. Na época, um plebiscito aprovou a independência da ex-colônia portuguesa, invadida em 1975 pela Indonésia. Em 2002, haverá eleições presidenciais no território. Xanana Gusmão, 55, principal artífice da independência de Timor Leste, anunciou sua candidatura no último sábado.
É um teste inédito e crucial para a ONU. A tarefa é, literalmente, a de erguer um país a partir do nada -logo após o plebiscito, o território foi destruído por milícias insatisfeitas com o resultado.
Mas a reconstrução não é apenas física. "Não são somente casas e estradas que têm de ser feitas. É preciso construir instituições, definir a identidade do país, fomentar uma democracia de livre mercado. Um projeto sem precedentes e de alto risco", diz Peter Carey, professor da Universidade de Oxford (Inglaterra), autor de dois livros sobre Timor.
A eleição envolve 400 mil pessoas, que escolherão 88 representantes para escrever a Constituição de Timor e preparar a independência completa do território, prevista para 2002.
Nesses dois anos, o desempenho da ONU na administração do território foi alvo de críticas. A principal é quanto ao ritmo da reconstrução. Casas e estradas permanecem em ruínas.
Uma das maiores queixas é a escuridão das ruas durante a noite. Apenas 4% do orçamento de 2001 foi destinado ao restabelecimento da estrutura energética.
O processo de criação de quadros timorenses para substituir a administração da ONU também caminha devagar. Faltam diplomatas, policiais, professores e médicos. Somente no mês passado o primeiro batalhão de 600 soldados foi formado, pequeno para proteger o futuro país das milícias pró-indonésias. O próprio sucesso da eleição será um teste -teme-se nova onda de violência.
Em recente relatório, o FMI criticou o ritmo das reformas. "Progresso na construção de capacidade administrativa local tem sido modesto. A execução orçamentária nos anos 2000/01 deve ficar abaixo das metas", diz o FMI.
Para Chris Brown, estudioso das intervenções da ONU e professor da London School of Economics, há o risco de a população perder a credibilidade no novo país. "A reconstrução de Timor serve para mostrar que a ONU não é talhada para administrar um país", diz. Apesar disso, diz que o resultado em Timor é, em comparação, mais bem-sucedido do que em intervenções anteriores -principalmente se comparado a Ruanda, quando, em 1994, um conflito étnico matou 800 mil.
A ONU se defende dizendo que faz o que pode, mas que trâmites burocráticos retardam o processo. Entre os aspectos positivos, destaca que a violência diminuiu e que a perspectiva de crescimento econômico é de 15% neste ano.
Até agora, no entanto, a ação foi insuficiente para mudar um quadro em que 55% da população vive abaixo da linha de pobreza, o desemprego atinge 50%, e a expectativa de vida é de 52 anos.
Escolada com fracassos anteriores, a organização garante que não vai abandonar o território de uma vez. "A ONU aprendeu que não pode abandonar um território à sua própria sorte. Manteremos nossa presença, em caráter reduzido, de dois a quatro anos após a independência", disse à Folha, em março, o administrador transitório da ONU, o brasileiro Sergio Vieira de Mello.
A permanência das Nações Unidas no país é motivo de polêmica. EUA e França, membros do Conselho de Segurança, querem uma redução rápida do atual contigente da ONU, de 10 mil pessoas.
"Há muito em jogo. Se as instituições que a ONU criar funcionarem, será um grande incentivo à sua moral. Se Timor se mostrar inviável, será um novo golpe. E todos voltarão a perguntar para que serve a ONU", diz Brown.


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