São Paulo, sexta-feira, 27 de setembro de 2002

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JUSTIÇA

Para o ex-ditador iugoslavo, os EUA "atiçaram as chamas da guerra" porque pressionaram financeiramente a Sérvia

Milosevic nega genocídio e se diz pacifista

STEPHEN CASTLE
DO "THE INDEPENDENT", EM HAIA

Tranquilo, Slobodan Milosevic, ex-ditador iugoslavo, rejeitou ontem acusações de genocídio e de que ele teria orquestrado os piores crimes de guerra vistos na Europa desde a Segunda Guerra, insistindo em que deve ser visto como alguém que "trabalhou em prol da paz" nos Bálcãs.
Os promotores do tribunal da ONU apresentaram seus argumentos contra Milosevic referentes a atrocidades cometidas na Croácia e na Bósnia, onde, afirmam, foi cometido genocídio, a mais grave das 61 acusações feitas contra o ex-ditador.
Usando mapas para ilustrar as modificações na composição étnica da população dos Bálcãs após as guerras (de 1991 a 1995), o promotor principal, Geoffrey Nice, disse que se tratava da prova de "milhares de mortes, inúmeros atos de desumanidade e milhares de instâncias de limpeza étnica".
Sorrindo, Milosevic aparentava estar gostando de estar de volta ao centro das atenções -agora que seu julgamento ingressa em nova fase crucial, após a conclusão dos argumentos da promotoria relativos a Kosovo.
O ex-ditador iugoslavo descreveu as ações militares sérvias como autodefesa contra croatas e muçulmanos e argumentou que foi lançada uma campanha internacional para transformar a Sérvia em "país de Terceiro Mundo ou, pior ainda, enviá-la de volta à Idade da Pedra".
Antes disso, Nice tinha vinculado Milosevic a alguns dos acontecimentos mais notórios das guerras dos Bálcãs nos anos 1990, incluindo os ataques sangrentos a Vukovar, os cercos de Dubrovnik e Sarajevo e o massacre de Srebrenica. Segundo o promotor, Dubrovnik, na costa da Croácia, foi bombardeada com granadas cerca de mil vezes, "por nenhuma razão, exceto a intimidação", causando a morte de 40 pessoas.
A carnificina foi maior em Vukovar, onde o hospital foi esvaziado e entre 200 e 300 homens foram mortos sumariamente.
Na Bósnia, disse o promotor, os não-sérvios "foram expulsos de suas vilas, detidos em condições desumanas, sofreram tortura, agressões sexuais e assassinato".
A Promotoria afirma que Milosevic tinha a responsabilidade do comando e não fez nada para impedir as atrocidades. Ademais, disseram os promotores, ele teria fornecido apoio e treinamento ao exército sérvio da Bósnia. "Milosevic teve papel fundamental no planejamento, no financiamento e na direção do plano", e "sem ele, é difícil conceber que esses fatos teriam ocorrido".
Mas Nice também deu algum indício das dificuldades que enfrenta para comprovar seus argumentos. Ele reconheceu que líderes como Milosevic não deixam rastros de seus atos.
É extremamente difícil conseguir uma condenação por genocídio, pois os promotores precisam provar que, por trás da limpeza étnica, havia a intenção de cometer genocídio. Richard Dicker, da organização Human Rights Watch, afirmou: "Não há dúvida alguma de que esses crimes aconteceram. O desafio é traçar uma ligação com Milosevic em casos como os de Srebrenica."
Os promotores vão procurar vincular Milosevic aos acontecimentos de Vukovar por meio de sua associação com o líder paramilitar Arkan e com os acontecimentos de Sarajevo através do apoio financeiro que ele deu ao general sérvio da Bósnia atuante na capital bósnia. Também vão tentar comprovar a existência de um vínculo dele com Srebrenica, através das atividades do general Radislav Krstic, cuja lealdade ao exército iugoslavo foi comprovada pelo cartão militar encontrado com ele quando foi preso.
Milosevic argumentou que os EUA e seus aliados travaram uma campanha econômica, política, militar e midiática que teve o apoio da Alemanha e do Vaticano. Pelo fato de ter pressionado financeiramente a Sérvia, é a comunidade internacional a culpada por genocídio, disse ele. "As chamas da guerra foram atiçadas pela maior potência do mundo."
Alguns dos citados por ele, incluindo dois ex-chanceleres britânicos, podem ser convocados a depor no julgamento, que ainda deve se prolongar por dois anos.


Tradução de Clara Allain


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