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JUSTIÇA
Para o ex-ditador iugoslavo, os EUA "atiçaram as chamas da guerra" porque pressionaram financeiramente a Sérvia
Milosevic nega genocídio e se diz pacifista
STEPHEN CASTLE
DO "THE INDEPENDENT", EM HAIA
Tranquilo, Slobodan Milosevic,
ex-ditador iugoslavo, rejeitou ontem acusações de genocídio e de
que ele teria orquestrado os piores crimes de guerra vistos na Europa desde a Segunda Guerra, insistindo em que deve ser visto como alguém que "trabalhou em
prol da paz" nos Bálcãs.
Os promotores do tribunal da
ONU apresentaram seus argumentos contra Milosevic referentes a atrocidades cometidas na
Croácia e na Bósnia, onde, afirmam, foi cometido genocídio, a
mais grave das 61 acusações feitas
contra o ex-ditador.
Usando mapas para ilustrar as
modificações na composição étnica da população dos Bálcãs
após as guerras (de 1991 a 1995), o
promotor principal, Geoffrey Nice, disse que se tratava da prova
de "milhares de mortes, inúmeros
atos de desumanidade e milhares
de instâncias de limpeza étnica".
Sorrindo, Milosevic aparentava
estar gostando de estar de volta ao
centro das atenções -agora que
seu julgamento ingressa em nova
fase crucial, após a conclusão dos
argumentos da promotoria relativos a Kosovo.
O ex-ditador iugoslavo descreveu as ações militares sérvias como autodefesa contra croatas e
muçulmanos e argumentou que
foi lançada uma campanha internacional para transformar a Sérvia em "país de Terceiro Mundo
ou, pior ainda, enviá-la de volta à
Idade da Pedra".
Antes disso, Nice tinha vinculado Milosevic a alguns dos acontecimentos mais notórios das guerras dos Bálcãs nos anos 1990, incluindo os ataques sangrentos a
Vukovar, os cercos de Dubrovnik
e Sarajevo e o massacre de Srebrenica. Segundo o promotor, Dubrovnik, na costa da Croácia, foi
bombardeada com granadas cerca de mil vezes, "por nenhuma razão, exceto a intimidação", causando a morte de 40 pessoas.
A carnificina foi maior em Vukovar, onde o hospital foi esvaziado e entre 200 e 300 homens foram mortos sumariamente.
Na Bósnia, disse o promotor, os
não-sérvios "foram expulsos de
suas vilas, detidos em condições
desumanas, sofreram tortura,
agressões sexuais e assassinato".
A Promotoria afirma que Milosevic tinha a responsabilidade do
comando e não fez nada para impedir as atrocidades. Ademais,
disseram os promotores, ele teria
fornecido apoio e treinamento ao
exército sérvio da Bósnia. "Milosevic teve papel fundamental no
planejamento, no financiamento
e na direção do plano", e "sem ele,
é difícil conceber que esses fatos
teriam ocorrido".
Mas Nice também deu algum
indício das dificuldades que enfrenta para comprovar seus argumentos. Ele reconheceu que líderes como Milosevic não deixam
rastros de seus atos.
É extremamente difícil conseguir uma condenação por genocídio, pois os promotores precisam
provar que, por trás da limpeza
étnica, havia a intenção de cometer genocídio. Richard Dicker, da
organização Human Rights
Watch, afirmou: "Não há dúvida
alguma de que esses crimes aconteceram. O desafio é traçar uma ligação com Milosevic em casos como os de Srebrenica."
Os promotores vão procurar
vincular Milosevic aos acontecimentos de Vukovar por meio de
sua associação com o líder paramilitar Arkan e com os acontecimentos de Sarajevo através do
apoio financeiro que ele deu ao
general sérvio da Bósnia atuante
na capital bósnia. Também vão
tentar comprovar a existência de
um vínculo dele com Srebrenica,
através das atividades do general
Radislav Krstic, cuja lealdade ao
exército iugoslavo foi comprovada pelo cartão militar encontrado
com ele quando foi preso.
Milosevic argumentou que os
EUA e seus aliados travaram uma
campanha econômica, política,
militar e midiática que teve o
apoio da Alemanha e do Vaticano. Pelo fato de ter pressionado financeiramente a Sérvia, é a comunidade internacional a culpada
por genocídio, disse ele. "As chamas da guerra foram atiçadas pela
maior potência do mundo."
Alguns dos citados por ele, incluindo dois ex-chanceleres britânicos, podem ser convocados a depor no julgamento, que ainda deve se prolongar por dois anos.
Tradução de Clara Allain
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