São Paulo, segunda-feira, 27 de setembro de 2010

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ANÁLISE

Rumo ao socialismo ou à democracia liberal?


OS CHAVISTAS SENTEM QUE ESTÃO CONSTRUINDO UM PAÍS NOVO, ENQUANTO OS OPOSITORES ACHAM QUE O PAÍS ESTÁ SENDO DESTRUÍDO E QUE É PRECISO RESGATÁ-LO. PODE HAVER UM DIÁLOGO ENTRE ELES?

FRANCESCA RAMOS PISMATARO
ESPECIAL PARA A FOLHA

As eleições legislativas que tiveram lugar ontem na Venezuela são vistas por muitos como cruciais para o futuro político do país. O que está em jogo: o caminho para o socialismo ou o restabelecimento da democracia liberal.
É por isso que, nesta ocasião, os dois lados -chavistas e opositores- aperfeiçoaram suas estratégias eleitorais. O governo adiantou uma reforma eleitoral para manter uma maioria ampla, mobilizou e organizou cuidadosamente o PSUV (o partido do governo).
O "líder da Revolução" -o presidente Hugo Chávez- mais uma vez atuou como "candidato presidencial", lembrando-nos que "os votos são de Chávez" e que ele é a figura política por excelência de todo esse processo de mudanças pelo qual a Venezuela vem passando há 11 anos.
A oposição, por sua parte, caracterizou-se no passado por seus atos de suicídio político e por ser fraca em meio aos personalismos de seus líderes, reacionária às mudanças e à velocidade do regime chavista e sem propostas de fundo para apresentar.
Desta vez, aproveitando a experiência e depois de colher alguns triunfos (a rejeição à reforma constitucional de 2007 e suas vitórias nas eleições regionais e locais de 2008 em Estados política e economicamente importantes, ao lado da prefeitura metropolitana), ela se apresenta com mais estrutura e com uma agenda legislativa e um programa de governo.
Contudo, grandes desafios parecem aguardar por ela.
Superando a dimensão eleitoral, desta força opositora que reúne organizações sociais e diversos partidos políticos nacionais e regionais de ideologias distintas, deverão surgir, em nível estrutural, os partidos do futuro: ou seja, aqueles em que os venezuelanos depositem sua confiança e, portanto, sua representação.
Por enquanto, o cenário imediato que a oposição enfrenta é complicado. Não será fácil arrancar a maioria do governo. Entre os oposicionistas há expectativas quanto à ideia de um país onde caibam todos, chavistas e não chavistas.
Está claro que a nova Assembleia não será a mesma de antes, avassaladoramente vermelha. As pesquisas mais favoráveis assinalam que a oposição pode conseguir 30% dos assentos.
O que é certo é que parece difícil que seja ouvido o chamado por uma Venezuela mais plural, em meio a uma revolução que se radicaliza.
Resta ver o significado que Chávez enxergará na chegada da oposição à Assembleia. "Uma ofensiva com intenção de criar obstáculos, retardar e enfraquecer o governo e a Revolução Bolivariana, com vistas a sua derrubada por qualquer via, antes que ela conclua o atual período presidencial ou nas eleições de dezembro de 2012" (As linhas de Chávez, 19 de setembro de 2010).
Desde 2005, o presidente vem fazendo uso funcional do Poder Legislativo. Em outras palavras, imperou a lógica revolucionária, ou seja, Chávez enxergou a Assembleia como um instrumento a mais para alcançar os objetivos de seu projeto.
É assim, já que a Assembleia nem exerceu controle político nem impôs limites ao Executivo. Pelo contrário -concedeu ao presidente, de modo excessivo, poderes para que legislasse amplamente em múltiplas áreas.
E mais: Hugo Chávez chegou a legislar mais que o Parlamento em questões-chave da vida nacional.
O que é certo é que os chavistas e a oposição têm duas visões antagônicas do país.
Os chavistas sentem que estão construindo um país novo, enquanto os opositores acham que o país está sendo destruído e que é preciso resgatá-lo. Pode haver um diálogo entre eles?
É dessa magnitude o desafio que se eleva sobre a Venezuela.

FRANCESCA RAMOS PISMATARO é diretora do Observatório de Venezuela, da Faculdades de Ciência Política e Governo e de Relações Internacionais da Universidade do Rosário (Bogotá)


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