São Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 2000

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TRAGÉDIA NO ÁRTICO
Bilhete achado no bolso de um dos tripulantes mortos descreve a situação dos marinheiros após o impacto
23 sobreviveram à 1ª explosão no Kursk

Reuters
O capitão-tenente Dmitry Kolesnikov, que escreveu o bilhete encontrado pela equipe de resgate


DAS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS

Pelo menos 23 marinheiros sobreviveram ao primeiro golpe que levou o submarino nuclear Kursk ao fundo do mar de Barents em 12 de agosto, segundo trecho de bilhete de um oficial russo morto no desastre, divulgado ontem.
"São 13h15. Toda a tripulação dos compartimentos seis, sete e oito foi para o nove. Há 23 pessoas aqui. Nós tomamos a decisão por causa do acidente. Nenhum de nós pode chegar à superfície. Estou escrevendo às cegas", anotou o capitão-tenente Dmitry Kolesnikov, que tinha 27 anos.
A carta foi encontrada com seu corpo, um dos quatro resgatados anteontem pela equipe de mergulhadores russos e noruegueses que tenta recuperar os cadáveres -foi feito um buraco no casco e russos entraram no Kursk.
Os outros três corpos não foram identificados ainda.
Kolesnikov teria escrito o bilhete duas horas depois do que se acredita ter sido o momento do acidente. Um instituto sísmico norueguês captou duas explosões no local. A maior delas foi registrada às 11h30 (horário local), precedida por uma menos intensa, dois minutos e 15 segundos antes.
Na época, as autoridades russas haviam dito que provavelmente todos os marinheiros haviam morrido pouco depois das explosões, cujas causas ainda são motivo de controvérsia.
Mas, ontem, o vice-almirante da Marinha russa, Mikhail Motsak, afirmou que a mensagem estava no bolso de Kolesnikov e mostra que alguns marinheiros conseguiram sobreviver mais de uma hora após o acidente.
Motsak não quis, contudo, informar todo o conteúdo: "O bilhete tem uma natureza altamente privada e será entregue aos familiares. Deu-nos, porém, bastante informação operacional".
De acordo com Motsak, "a carta diz que provavelmente dois ou três tentaram escapar por uma escotilha no nono compartimento. Como sabemos, a tentativa falhou, talvez porque a escotilha estava cheia de água".
Mergulhadores noruegueses abriram essa escotilha em 21 de agosto e encontraram o Kursk inundado -as tentativas de resgate foram canceladas pouco depois.
Segundo a lista com os nomes dos tripulantes mortos, 24 homens haviam sido escalados para trabalhar nas seções seis a nove do Kursk.
Kolesnikov comandava a sala de turbinas. Havia se casado no início deste ano. Sua mulher, Olga, deu um depoimento emocionado na TV estatal russa RTR. "Ele é um homem adorável. Eu quero vê-lo de novo e ler sua carta", disse, chorando.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, declarou que as tentativas de recuperação dos corpos continuarão: "Faremos tudo o que pudermos".
A equipe de mergulhadores, apesar do mau tempo na região, deve descer ao mar para abrir, no total, sete buracos no submarino.

Mais confusão
A descoberta dos mergulhadores lança novas dúvidas sobre as versões oficiais do naufrágio.
Motsak afirmou que "a carta foi escrita entre as 13h34 e as 15h15", mas não explicou a discrepância com o horário anotado por Kolesnikov, 13h15.
As autoridades russas diziam que os contatos com os marinheiros haviam sido mantidos até as 23h30 daquela noite, horas depois do momento em que, segundo Motsak, Kolesnikov terminou sua mensagem. Levaram dois dias para anunciar que os contatos haviam cessado, tendo dito antes que os tripulantes se comunicavam por pancadas no casco.
A acusação de incompetência russa nas operações de salvamento ressurge aos poucos.
"Significa que, se ações tivessem sido tomadas nos primeiros dias, é possível que pelo menos esses 23 fossem salvos", afirmou o editor do semanário militar "Nezavismoye Voyennoye Obozreniye".



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