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ARTIGO
Sinais de tormenta no horizonte
MARCOS AGUINIS
ESPECIAL PARA A FOLHA
É comum dizer que, depois
de uma calmaria extrema, vem
a tormenta. E é exatamente isso que desejamos que não venha a se repetir. Mesmo assim,
o prognóstico é de que nuvens
pesadas estejam começando a
se acumular além do horizonte.
De fato, depois da crise que
surgiu no final de 2001 e se estendeu até 2003, a Argentina se
recuperou economicamente,
ainda que sem alcançar o desenvolvimento sustentável. Só
os partidários da atual administração atribuem essa recuperação às medidas do governo. Na
verdade, parece que o governo
fez todo o possível para desperdiçar essa extraordinária oportunidade em um populismo demagógico cuja única aspiração
é concentrar o poder e a riqueza em algumas poucas mãos.
A gestão de Néstor Kirchner
se caracterizou por uma demolição de instituições, própria de
governos autoritários ou até ditatoriais. O Congresso se tornou um apêndice desprestigiado do Executivo, e a Justiça teme linchamentos caso divulgue
excessivamente os atos de corrupção. Em poucas palavras, a
Argentina caiu sob o governo
de um punhado de indivíduos,
ou talvez de apenas um casal.
Ou seja, na prática se instalou
uma espécie de monarquia que
nem mesmo podemos definir
como constitucional.
Kirchner conseguiu promover a convicção de que sua mulher obterá os 40% dos votos
necessários a ungi-la presidente sem necessidade de segundo
turno. Caso Cristina Kirchner
não consiga amanhã os 40%
necessários, haverá segundo
turno e ela indubitavelmente
sairá derrotada caso isso ocorra. A sensação de que não haverá segundo turno gerou indiferença política. A resignação,
fruto de uma prolongada impotência, aumentou.
Por outro lado, os partidos
tradicionais -o peronismo e o
radicalismo- se fragmentaram
e a oposição é um arquipélago
de candidatos. Ninguém foi capaz de promover a união entre
eles, ainda que existam interesses compartilhados. Esses interesses consistem de elementos
tão simples e tão poderosos
quanto devolver a independência e a majestade ao Congresso
e à Justiça, exercer controle sobre os gastos públicos arbitrários, reforçar a transparência,
acabar com as pressões sobre a
imprensa, fortificar a segurança jurídica, atrair investimentos e devolver ao país uma Presidência mais confiável na arena internacional.
O casal Kirchner é responsável pela deterioração institucional e pelo aumento da insegurança pública. E a insegurança foi negada até o absurdo; fica
evidente que as autoridades
não fazem idéia de como deter
seu crescimento. Por outro lado, o temido monstro da inflação, que já causou imensos estragos ao país, voltou a abrir as
asas. O governo nega o fato, e
chegou a forçar a falsificação
dos índice oficiais compilados
pelo Indec, rebatizado pelo humor popular como IndeK, porque tudo que contenha a letra K
traz gotas de amargura.
Em conseqüência, Néstor
Kirchner legaria a sua mulher
Cristina um país sofrendo de
inflação irrefreável, insegurança, extraordinária fraqueza institucional, delitos de corrupção
jamais esclarecidos, milhões de
pessoas que vivem de verbas
públicas distribuídas por meio
de subsídios demagógicos, bem
como o final de um superávit
fiscal dilapidado na campanha
eleitoral. Muita gente se pergunta a quem Cristina Fernández atribuirá a culpa, porque
nós, argentinos, levamos a má
fama de sempre acusar os outros pelos nossos erros, em especial o governo anterior.
E o casal também sofre o risco de investigações por enriquecimento ilícito. Não aconteceriam logo caso Cristina venha a ser ungida presidente,
mas, em caso de derrota, o destino deles poderia ser pior que
o de Menem. Ainda não se sabe
onde foram parar as muitas
centenas de milhões de dólares
que Kirchner remeteu ao exterior quando era governador de
sua Província sulista, e tampouco se sabe muito sobre os
negócios realizados por seus
operadores na administração
presidencial, e sobre aqueles
que um setor da imprensa se
esforçou por expor aos olhos da
sociedade e dos juízes, com
pouco sucesso até o momento.
É possível que o conjunto de
diversos elementos mencionados acima represente os pincéis que pintam de tons lúgubres a nuvem de tempestade que espera logo além do horizonte, e que talvez demore alguns meses para se apresentar
em sua dimensão real. Mas um
vasto setor do país prefere negar a existência dos problemas
e isso pode ou não se manifestar na eleição de amanhã.
MARCOS AGUINIS , 72, é romancista e ensaísta
argentino, autor de "O Atroz Encanto de Ser Argentino" (Bei Comunicação, 2002)
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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