São Paulo, terça-feira, 27 de novembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Prisão de Kasparov expõe apatia eleitoral

Em Moscou, oposição minguada e desunida que apóia enxadrista contrasta com bombardeio de outdoors do governo

Capital está tomada por propaganda governista que faz de Putin o foco, embora eleição seja legislativa; não há notícias sobre outro lado

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU

Um grupo de meia dúzia de apoiadores do enxadrista Garry Kasparov, parado sob a chuva fina e o frio que variava entre 0C e 2C no meio da tarde ontem, em frente ao sinistro prédio da Polícia Criminal em que o líder oposicionista está preso, era o único sinal externo de que há oposição ontem na capital do país que vai às urnas no domingo. Nem a polícia estava presente para vigiar os simpatizantes do campeão de xadrez.
"Estamos esperando notícias da corte", disse Roman, 22 anos, estudante partidário da Frente Cívica Unida -o partido político de Kasparov, um dos 11 que fazem parte do movimento Outra Rússia, uma frente até aqui desunida que se propõe a antagonizar Putin.
Magro, com um casaco de couro preto que lhe dava aparência de um Sid Vicious deslocado no tempo e no espaço, Roman era ontem a cara da oposição russa: perdida num mar de apatia. A corte, como previsto, não libertou Kasparov antes de acabado o prazo "administrativo" a que foi condenado num julgamento-relâmpago.
"Não tinha esperança, agora vou voltar para dar a notícia. Vamos manter nossa vigília", disse à Folha Denis Bilunov, o organizador da manifestação, por celular, no carro, voltando no começo da noite à vigília.
No resto da cidade, a campanha só é reconhecível a quem lê cirílico. Não há fotos de candidatos, exceção feita a um ou outro cartaz do ultranacionalista já não tão raivoso Vladimir Jirinovski, que nos anos 90 ameaçava de "pogroms" contra estrangeiros à Terceira Guerra Mundial. Hoje, lidera o relativamente grande Partido Liberal Democrata, terceira força na Duma (Câmara dos Deputados). Faz o jogo: apóia Putin.
Mas a maioria esmagadora de outdoors é do Rússia Unida. Geralmente são simples frases, sempre evocando o presidente, que só virou líder do partido em outubro. "Vote em Putin", "Moscou vota em Putin", "Apóie o Plano Putin" -essa uma referência a algo que a oposição diz não existir, e o Rússia Unida ainda não disse exatamente do que se trata.
Tudo como se fosse uma eleição presidencial, o que de certa forma está mesmo em curso. Na cédula da lista de votação, ao lado do número 10, há o logotipo do partido e um "Putin" em caracteres ainda maiores.
A propaganda concentra-se no centro, chegando ao ápice num enorme outdoor, sem foto, na lateral do antigo Hotel Moscou. O edifício, construído com duas faces distintas -os arquitetos não teriam entendido qual era a preferida do ditador Josef Stálin e acharam melhor não arriscar-, está coberto de tapumes que viraram outdoors perto da praça Vermelha. Além do Rússia Unida, o outro grande anunciante é a Sony.
"O fato é que a mídia não mostra que há pessoas pensando contra. O principal meio de comunicação aqui é a TV, e as três principais estão na mão do governo. É natural", disse à Folha Elena Panfilova, responsável pela Rússia na organização Transparência Internacional.
Efetivamente, o tema só teve destaque ontem, e com informações incompletas, no minúsculo "The Moscow Times", jornal de língua inglesa e circulação restrita. "Eu acho que o público russo nem sabe, em geral, das prisões do fim de semana. Quando um jornal grande trata do tema, é para chamar de "hooliganismo" por parte dos manifestantes", afirma ela.
Não há previsão de grandes manifestações, sejam elas pró ou contra Putin, nesta semana. Garry Kasparov deverá sair da cadeia na quinta à noite, mas mesmo seu fiel apoiador Roman não sabe dizer se estará lá. "Acho que vamos jogar bola, se não nevar ou chover forte."
Kasparov está detido no número 38 da rua Petrovka, quartel-general da Polícia Criminal desde os tempos soviéticos, atrás do famoso teatro Bolshoi. Lá foi reinstalada em 2005 uma estátua de Felix Dzerjinski, o fundador da Tcheka, o serviço secreto que deu origem à KGB e ao atual FSB.
Mas a estátua é modesta. Sua versão de 16 toneladas, que foi derrubada ali perto, na frente da sede da KGB na praça Lyubianka, está num parque temático de relíquias soviéticas.
A da Petrovka é quase invisível, ainda mais perto das lojas reluzentes do Petrovsky Passaj, um shopping de ultraluxo lá perto. Uma discrição adequada aos tempos atuais.


Texto Anterior: Bate-boca com a Colômbia prossegue
Próximo Texto: EUA tentam deslegitimar pleito, diz Putin
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.