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Prisão de Kasparov expõe apatia eleitoral
Em Moscou, oposição minguada e desunida que apóia enxadrista contrasta com bombardeio de outdoors do governo
Capital está tomada por propaganda governista que faz de Putin o foco, embora eleição seja legislativa; não há notícias sobre outro lado
IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU
Um grupo de meia dúzia de
apoiadores do enxadrista Garry
Kasparov, parado sob a chuva
fina e o frio que variava entre
0C e 2C no meio da tarde ontem, em frente ao sinistro prédio da Polícia Criminal em que
o líder oposicionista está preso,
era o único sinal externo de que
há oposição ontem na capital
do país que vai às urnas no domingo. Nem a polícia estava
presente para vigiar os simpatizantes do campeão de xadrez.
"Estamos esperando notícias
da corte", disse Roman, 22
anos, estudante partidário da
Frente Cívica Unida -o partido político de Kasparov, um
dos 11 que fazem parte do movimento Outra Rússia, uma frente até aqui desunida que se propõe a antagonizar Putin.
Magro, com um casaco de
couro preto que lhe dava aparência de um Sid Vicious deslocado no tempo e no espaço, Roman era ontem a cara da oposição russa: perdida num mar de
apatia. A corte, como previsto,
não libertou Kasparov antes de
acabado o prazo "administrativo" a que foi condenado num
julgamento-relâmpago.
"Não tinha esperança, agora
vou voltar para dar a notícia.
Vamos manter nossa vigília",
disse à Folha Denis Bilunov, o
organizador da manifestação,
por celular, no carro, voltando
no começo da noite à vigília.
No resto da cidade, a campanha só é reconhecível a quem lê
cirílico. Não há fotos de candidatos, exceção feita a um ou
outro cartaz do ultranacionalista já não tão raivoso Vladimir Jirinovski, que nos anos 90
ameaçava de "pogroms" contra
estrangeiros à Terceira Guerra
Mundial. Hoje, lidera o relativamente grande Partido Liberal Democrata, terceira força
na Duma (Câmara dos Deputados). Faz o jogo: apóia Putin.
Mas a maioria esmagadora
de outdoors é do Rússia Unida.
Geralmente são simples frases,
sempre evocando o presidente,
que só virou líder do partido
em outubro. "Vote em Putin",
"Moscou vota em Putin",
"Apóie o Plano Putin" -essa
uma referência a algo que a
oposição diz não existir, e o
Rússia Unida ainda não disse
exatamente do que se trata.
Tudo como se fosse uma eleição presidencial, o que de certa
forma está mesmo em curso.
Na cédula da lista de votação,
ao lado do número 10, há o logotipo do partido e um "Putin"
em caracteres ainda maiores.
A propaganda concentra-se
no centro, chegando ao ápice
num enorme outdoor, sem foto, na lateral do antigo Hotel
Moscou. O edifício, construído
com duas faces distintas -os
arquitetos não teriam entendido qual era a preferida do ditador Josef Stálin e acharam melhor não arriscar-, está coberto de tapumes que viraram outdoors perto da praça Vermelha.
Além do Rússia Unida, o outro
grande anunciante é a Sony.
"O fato é que a mídia não
mostra que há pessoas pensando contra. O principal meio de
comunicação aqui é a TV, e as
três principais estão na mão do
governo. É natural", disse à Folha Elena Panfilova, responsável pela Rússia na organização
Transparência Internacional.
Efetivamente, o tema só teve
destaque ontem, e com informações incompletas, no minúsculo "The Moscow Times",
jornal de língua inglesa e circulação restrita. "Eu acho que o
público russo nem sabe, em geral, das prisões do fim de semana. Quando um jornal grande
trata do tema, é para chamar de
"hooliganismo" por parte dos
manifestantes", afirma ela.
Não há previsão de grandes
manifestações, sejam elas pró
ou contra Putin, nesta semana.
Garry Kasparov deverá sair da
cadeia na quinta à noite, mas
mesmo seu fiel apoiador Roman não sabe dizer se estará lá.
"Acho que vamos jogar bola, se
não nevar ou chover forte."
Kasparov está detido no número 38 da rua Petrovka, quartel-general da Polícia Criminal
desde os tempos soviéticos,
atrás do famoso teatro Bolshoi.
Lá foi reinstalada em 2005 uma
estátua de Felix Dzerjinski, o
fundador da Tcheka, o serviço
secreto que deu origem à KGB e
ao atual FSB.
Mas a estátua é modesta. Sua
versão de 16 toneladas, que foi
derrubada ali perto, na frente
da sede da KGB na praça Lyubianka, está num parque temático de relíquias soviéticas.
A da Petrovka é quase invisível, ainda mais perto das lojas
reluzentes do Petrovsky Passaj,
um shopping de ultraluxo lá
perto. Uma discrição adequada
aos tempos atuais.
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