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Cristina enfrenta debandada de "tropa de choque social"
Grupos piqueteiros cooptados pelo ex-presidente Néstor Kirchner deixam cargos na administração e levam consigo 40 mil filiados
Dirigentes criticam o que qualificam como "desvio conservador" do casal, que passou a priorizar alianças com caciques do peronismo
THIAGO GUIMARÃES
DE BUENOS AIRES
Não bastasse um primeiro
ano de gestão marcado pela retração econômica e pela queda
na aprovação ao governo, a presidente da Argentina, Cristina
Kirchner, enfrenta ainda outro
problema: a debandada de setores piqueteiros.
Libres del Sur e Barrios de
Pie, dois movimentos que integravam a "tropa de choque social" do governo desde Néstor
Kirchner (2003-2007), anunciaram neste mês sua saída.
Seus principais dirigentes
-Jorge Ceballos e Humberto
Tumini- deixaram seus cargos
na administração federal criticando o peso crescente do Partido Justicialista (peronista)
-presidido desde maio por
Néstor- dentro do governo.
Levaram consigo 40 mil afiliados, dois deputados federais,
representações em 20 Províncias e em 300 cidades.
"É a ponta do iceberg. Hoje
há uma insatisfação profunda
entre setores que apóiam o governo", disse o professor de
teoria política contemporânea
da Universidade de Buenos Aires, Isidoro Cheresky.
Os egressos dizem que Cristina e Néstor cometem um "desvio conservador" ao apostar em
alianças com caciques peronistas da Grande Buenos Aires e
com o núcleo duro do sindicalismo representado pela CGT
(Confederação Geral do Trabalho). Avaliações que ecoam no
primeiro escalão do governo
-a ministra da Saúde, Graciela
Ocaña, pediu que o "kirchnerismo volte às bases".
"Vamos armar uma coalizão
à esquerda do governo, ou melhor, à esquerda do PJ", diz Tumini, 55, à Folha. Ex-presidente do Conselho Federal de Direitos Humanos, cargo criado
sob medida para ele em 2006,
diz que o PJ "nunca teve um
papel tão destacado" na aliança
governista e que o governo manifesta "debilidade política" ao
se apoiar no partido.
Piqueteiros e Kirchner
O movimento piqueteiro argentino é filho do avanço da pobreza no país -que passou de
6% para 35% da população de
1980 a 2001.
Na crise de 2001/2002, a
maior da história argentina,
ajudam a derrubar dois governos -Fernando de la Rúa e
Eduardo Duhalde- e ganham
uma espécie de "poder de veto
extraconstitucional" sobre a
gestão federal, diz o cientista
político Carlos Escudé.
Ciente desse poder, Néstor
Kirchner cooptou dirigentes
piqueteiros, mediante apoio a
candidaturas legislativas e cessão de cargos -em junho de
2006, havia cerca de 50 na administração federal. A estratégia, aliada ao crescimento econômico "chinês" do período,
ajudou a minguar os protestos.
Néstor governou boa parte
de seu mandato à margem do
PJ, apoiado apenas na expansão econômica e na alta aprovação popular -impulsionada
por causas de apelo público como a reabertura de julgamentos contra integrantes do regime militar (1976-1983).
Já Cristina perdeu esse trunfo no conflito com o setor rural
em torno do aumento de impostos, que fez sua popularidade cair à metade. Daí a aproximação com o PJ e a tentativa de
reestruturação do partido.
O incômodo com o governo
está presente mesmo entre piqueteiros que permanecem
fiéis ao kirchnerismo. No último dia 17, na sede da Fundação
de Terras e Casas, um dirigente
da Província de Córdoba reclamava pedindo mais diálogo
com o governo em uma plenária do movimento.
Alertado sobre a chegada da
reportagem da Folha, o presidente do movimento e principal piqueteiro "oficial", Luís
D'Elía, 52, demonstrou embaraço com a fala do colega e logo
a interrompeu com palmas.
"Oportunismo"
Na privacidade de sua sala,
D'Elía classificou a saída do Libres del Sur e do Barrios de Pie
do governo como "puro oportunismo tático anti-peronista".
Disse concordar com as demandas ao governo por diálogo,
mas afirma que o kirchnerismo
é centralizador "desde que começou".
Mas, para D'Elía, trata-se de
uma "contradição de terceira
ordem", que não fundamentaria seu rompimento com o governo. "A reforma agrária está
parada no Brasil, mas o MST
[Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] não deixou o governo Lula. Ocorre o
mesmo com a gente. Entre todos os outros, este continua
sendo o nosso governo."
Outro que ainda milita nas fileiras oficiais é Emilio Pérsico,
titular do Movimento Evita e
secretário de Relações com Organizações Sociais do PJ. Afirmou lamentar a saída de "colegas de 30 anos", mas afirmou
que os governos Néstor e Cristina Kirchner foram os únicos
na história recente do país que
permitiram conquistas sociais.
"O peronismo é a única ferramenta que os trabalhadores
têm para chegar ao Estado e ao
poder", disse.
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