São Paulo, domingo, 27 de dezembro de 1998

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FUTURO
Opiniões favoráveis e contrárias à compra de um jipe de brinquedo ilustram a divisão entre os jovens expostos ao consumo
PC admite que juventude é "heterogênea'

CLAUDIA FURIATI
especial para a Folha


Quem desejasaber o ponto de vista da juventude cubana de hoje, carece de um interlocutor global. Um recente dossiê da União de Jovens Comunistas de Cuba reconhece que a juventude é "um grupo social heterogêneo e complexo".
Enquanto, dos anos 60 até o começo dos 90, prevaleceu, nessa faixa de idade, uma homogeneidade de estilo e projeto, hoje ela exibe um leque de posições.
Queda da União Soviética, crise e recrudescimento do bloqueio, 1992 foi o ano mais difícil. Em 1993, decidiram-se medidas experimentais, reformas ainda sem um projeto articulado. Mas, nos anos seguintes, a economia indicava recuperação, com uma franca circulação de dólares. E por onde eles andam?
Há poucas semanas, num belo shopping numa avenida de Havana, um jipão de brinquedo com motor elétrico era vendido a US$ 400. Os 15 do estoque desapareceram em poucas horas, no redemoinho dos consumidores -a maioria cubanos jovens.
Outros, dessa mesma geração, vêem no fato um absurdo ou uma agressão. São os que reclamam da recente normalização das relações com Papai Noel e dos novos slogans publicitários, expostos ali ou acolá.
Dizem que esses são os sintomas de uma dupla moral, quando a realidade não condiz, e que não se pode deixar o mercado comer o país.
Mas há os que desejam e compram. E de onde vem o dinheiro? Boa parte, de remessas de familiares residentes no exterior; outra, de câmbio não-oficial, mas legítimo, fruto do ganho de trabalho por conta própria ou de algum tipo de economia informal.
A crise os tomou de surpresa em plena juventude. Sofrem a realidade do desemprego, do subemprego e a agudez do problema da moradia.
A chegada da idade adulta teve de ser postergada, vista a insuficiência de meios de assumi-la. Apesar de seu alto grau de instrução, a maioria se mantém sob o teto dos pais. Em 1995, das pessoas que procuravam emprego, mais de 60% eram jovens.
Querem trabalhar, mas não mais por conta de uma formação universitária, como prioridade. A média de 130 mil matrículas em universidades, no início da década, este ano caiu para 75 mil, uma sensível alteração em favor de cursos técnico-profissionalizantes, mais adaptados ao mercado de trabalho.
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Realismo Esta é uma pista de como pensa o jovem cubano: com realismo -pois um convite à namorada, ou ao namorado, para ir a um bar à noite, significará, no mínimo, 60 pesos cubanos (quase US$ 3, ou a metade de um salário regular).
A diferença entre ser um médico ou um carregador de hotel hoje, em Cuba, reside nos US$ 200 que o segundo poderá ganhar de gorjeta, em menos de uma semana.
Fidel conversou com a jovem Iuruma, a presidente da Federação dos Estudantes de Ensino Médio, durante uma recente sessão do Congresso da Juventude. Perguntou-lhe quantos anos ela tinha quando a União Soviética caiu. Oito anos.
Fidel Castro quis saber o que ela sabia do assunto. Iuruma explicou que quase nada, porque disso há muito ruído e pouca clareza.
No Congresso, Fidel também teve um amistoso entrevero com o ministro do Turismo, Osmany Cienfuegos, após a intervenção de um jovem sobre a forma irregular com que se consegue um emprego na área do Turismo, parecida com o que no Brasil chamamos tráfico de influência (em Cuba, chamam de "sociolismo").
O ministro Cienfuegos acabou convocado a conversar com a juventude sobre a questão, já que mais de 70% dos trabalhadores do turismo se encontram na faixa de até 30 anos.
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Claudia Furiati, 44, escritora, jornalista e historiadora, escreve no momento uma biografia sobre Fidel Castro, após seis anos e meio de pesquisa em Cuba.



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