São Paulo, sábado, 28 de janeiro de 2006

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COMENTÁRIO

Condicionar negociação é erro

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


Entre os diversos pontos que são alvo de análises feitas sob o calor do impacto da eleição do Hamas à maioria legislativa palestina, um está sofrendo distorção no berço: a suposta necessidade de condicionar o diálogo com o grupo extremista. Ou seja, só negociar quando o terror for abandonado, as armas depostas e Israel reconhecido.
Isso é uma visão equivocada, baseada na reação israelense, no amparo que ela tem no establishment americano e na mídia em geral e na repulsa natural ao terror contra civis do Hamas.
O conflito israelo-palestino é único em suas características, mas é possível encontrar exemplos históricos diversos para a verdade que interessa: só haverá uma "normalização" do Hamas quando ele for um ator reconhecido do processo político.
O caso mais relevante talvez seja o do IRA (Exército Republicano Irlandês). Apenas quando foi chamado à mesa, por meio de seus prepostos políticos na década de 90, o IRA tendeu à normalização. Não sem retrocessos no caminho, como dissidências, mas isso é parte do processo.
Muitos reagiram mal aos discursos duros, anti-Israel, adotados pelos líderes do Hamas vitorioso. O texto é violento, mas é o de sempre. Como é invariável na política, apesar de momentos democráticos como a própria eleição palestina, o que vale é a negociação à sombra, olho no olho.
Por isso pouco importa se o Hamas quer usar intermediários públicos. É ingenuidade achar que não haverá contatos, envolvendo provavelmente parte da Fatah, a carcomida elite política local. Só não esperem Camp David. O jogo é totalmente novo, e a esta altura volátil ao extremo.
Por isso é desejável que o boicote sugerido por Israel acabe na retórica. Não se trata de defender a parte atroz da atuação do Hamas, mas de assumir que o abrandamento de posições e outras evoluções necessárias devem ser conseqüência, e não premissa, da nova realidade política. Realidade que também demanda, ainda no campo dos desejos, um novo posicionamento de Israel.
O Hamas é parte significativa da sociedade palestina, como qualquer visita a Gaza pode comprovar. Goste-se ou não. Seu isolamento pode significar o seqüestro de sua vitória por parte dos incendiários da região, dos dois lados, que não são poucos e têm comprometimento zero com a busca pela paz.


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