São Paulo, sábado, 28 de fevereiro de 2004

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AMÉRICA LATINA

Na abertura do G-15, em Caracas, presidente venezuelano pede que os "povos se levantem'; oposição sai às ruas

Chávez vê "bomba social"; protesto mata 2

ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL A CARACAS

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, roubou a cena ontem em Caracas com um contundente discurso em que classificou o modelo econômico da América Latina e do Caribe como "bomba social" e conclamou que os "povos despertem, se levantem e combatam". Foi aplaudido de pé. Nas ruas, duas pessoas morreram e 54 foram feridas em confrontos entre soldados e oposicionistas, explicitando o estado de convulsão social do país.
Apesar de se arvorar em principal líder do continente, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, não passou de coadjuvante -e mudo- na abertura da reunião de chefes de Estado do G-15, grupo de 19 países em desenvolvimento de América Latina, Caribe, Ásia e África que pretendem disputar competitividade com os países ricos do Norte -leia-se: principalmente com os EUA. Lula nem sequer teve a palavra durante o encontro, que reuniu sete chefes de Estado e de governo: Irã, Colômbia, Zimbábue e Jamaica, além de Venezuela, Argentina e Brasil (cujos líderes tiveram encontro à parte).
Além disso, o presidente brasileiro não foi sequer citado no discurso de Chávez, que fez questão de encaixar um improviso no pronunciamento especificamente para emprestar "profundo respeito e solidariedade ao povo da Argentina" pela forma com que o presidente do país, Néstor Kirchner, negocia com o FMI (Fundo Monetário Internacional).

Foro de devedores
Chávez defendeu um "foro de devedores" e foi aplaudido de pé, longamente, depois de condenar de forma contundente a "globalização", o "neoliberalismo" e o poder dos países ricos. Ele sugeriu, ainda, uma universidade, um banco e um canal de TV "do Sul", para se contrapor "ao monopólio midiático" do Norte.
Depois, pregou: "Nunca a dominação é mais perfeita do que quando logra fazer com que os dominados pensem nos mesmos termos dos dominadores". Novamente, aplausos.
Na parte em que defendeu que os povos "despertem", o polêmico presidente fez referência a diferentes líderes das guerras de independência da América Latina e falou nas "lutas heróicas" e nos "prodígios de resistência, de tenacidade e de sacrifícios".

Violência nas ruas
Nas ruas, mais de 10 mil policiais e soldados fardados com capacetes e máscaras de gás lacrimogêneo faziam barricadas para evitar que os manifestantes anti-Chávez se deslocassem desde a avenida Libertador, uma das mais importantes de Caracas, até o hotel Hilton, onde as delegações estrangeiras estavam hospedadas. Com o vento, o gás chegava até a porta do hotel, fazendo arder os olhos. Confrontos entre os manifestantes da oposição, grupos chavistas e a polícia deixaram ao menos dois mortos e 54 feridos.
O bloqueio mais forte foi na altura da praça Venezuela, a dois quilômetros do hotel, que fica em frente ao Teatro Tereza Carreño, moderna e imponente obra arquitetônica onde se realizou a reunião de abertura do G-15.
Na volta do encontro, a pé, por uma passagem direta entre o hotel e o teatro, muitos dos estrangeiros puderam ver um homem ferido a bala, logo abaixo. Não houve informações sobre autores e motivos. As televisões reproduziram várias vezes a cena de uma moça sendo puxada pelos cabelos e jogada ao chão por um soldado da Guarda Feminina.

Lula coadjuvante
Enquanto os demais presentes aplaudiam esporadicamente trechos do discurso de Chávez, Lula manteve-se sempre impassível, ora olhando para baixo, como se escrevesse, ora com ar distraído. Não aplaudiu a fala no meio e se limitou a fazer um cumprimento formal ao final.
O discurso de Chávez teve 13 páginas, que ele leu com ênfase durante 35 minutos, citando dados sobre, por exemplo, a miséria, a desnutrição e a mortalidade infantil dos países que aderiram ao neoliberalismo. Foi aplaudido de pé, longamente, pelos representante estrangeiros e principalmente por sua própria claque.
Bem a seu estilo, Chávez levou para o encontro cerca de 200 chavistas do Movimento Robinson, que faz trabalhos de alfabetização nas periferias inspirados em modelo cubano. Vestidos de vermelho -cor do Movimento Bolivariano de Chávez-, eles encenaram gritos e gestos de apoio na entrada e na saída do presidente venezuelano.


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