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AMÉRICA LATINA
Na abertura do G-15, em Caracas, presidente venezuelano pede que os "povos se levantem'; oposição sai às ruas
Chávez vê "bomba social"; protesto mata 2
ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL A CARACAS
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, roubou a cena ontem
em Caracas com um contundente
discurso em que classificou o modelo econômico da América Latina e do Caribe como "bomba social" e conclamou que os "povos
despertem, se levantem e combatam". Foi aplaudido de pé. Nas
ruas, duas pessoas morreram e 54
foram feridas em confrontos entre soldados e oposicionistas, explicitando o estado de convulsão
social do país.
Apesar de se arvorar em principal líder do continente, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula
da Silva, não passou de coadjuvante -e mudo- na abertura da
reunião de chefes de Estado do G-15, grupo de 19 países em desenvolvimento de América Latina,
Caribe, Ásia e África que pretendem disputar competitividade
com os países ricos do Norte
-leia-se: principalmente com os
EUA. Lula nem sequer teve a palavra durante o encontro, que reuniu sete chefes de Estado e de governo: Irã, Colômbia, Zimbábue e
Jamaica, além de Venezuela, Argentina e Brasil (cujos líderes tiveram encontro à parte).
Além disso, o presidente brasileiro não foi sequer citado no discurso de Chávez, que fez questão
de encaixar um improviso no
pronunciamento especificamente
para emprestar "profundo respeito e solidariedade ao povo da Argentina" pela forma com que o
presidente do país, Néstor Kirchner, negocia com o FMI (Fundo
Monetário Internacional).
Foro de devedores
Chávez defendeu um "foro de
devedores" e foi aplaudido de pé,
longamente, depois de condenar
de forma contundente a "globalização", o "neoliberalismo" e o poder dos países ricos. Ele sugeriu,
ainda, uma universidade, um
banco e um canal de TV "do Sul",
para se contrapor "ao monopólio
midiático" do Norte.
Depois, pregou: "Nunca a dominação é mais perfeita do que
quando logra fazer com que os
dominados pensem nos mesmos
termos dos dominadores". Novamente, aplausos.
Na parte em que defendeu que
os povos "despertem", o polêmico presidente fez referência a diferentes líderes das guerras de independência da América Latina e falou nas "lutas heróicas" e nos
"prodígios de resistência, de tenacidade e de sacrifícios".
Violência nas ruas
Nas ruas, mais de 10 mil policiais e soldados fardados com capacetes e máscaras de gás lacrimogêneo faziam barricadas para
evitar que os manifestantes anti-Chávez se deslocassem desde a
avenida Libertador, uma das mais
importantes de Caracas, até o hotel Hilton, onde as delegações estrangeiras estavam hospedadas.
Com o vento, o gás chegava até a
porta do hotel, fazendo arder os
olhos. Confrontos entre os manifestantes da oposição, grupos
chavistas e a polícia deixaram ao
menos dois mortos e 54 feridos.
O bloqueio mais forte foi na altura da praça Venezuela, a dois
quilômetros do hotel, que fica em
frente ao Teatro Tereza Carreño,
moderna e imponente obra arquitetônica onde se realizou a
reunião de abertura do G-15.
Na volta do encontro, a pé, por
uma passagem direta entre o hotel e o teatro, muitos dos estrangeiros puderam ver um homem
ferido a bala, logo abaixo. Não
houve informações sobre autores
e motivos. As televisões reproduziram várias vezes a cena de uma
moça sendo puxada pelos cabelos
e jogada ao chão por um soldado
da Guarda Feminina.
Lula coadjuvante
Enquanto os demais presentes
aplaudiam esporadicamente trechos do discurso de Chávez, Lula
manteve-se sempre impassível,
ora olhando para baixo, como se
escrevesse, ora com ar distraído.
Não aplaudiu a fala no meio e se
limitou a fazer um cumprimento
formal ao final.
O discurso de Chávez teve 13 páginas, que ele leu com ênfase durante 35 minutos, citando dados
sobre, por exemplo, a miséria, a
desnutrição e a mortalidade infantil dos países que aderiram ao
neoliberalismo. Foi aplaudido de
pé, longamente, pelos representante estrangeiros e principalmente por sua própria claque.
Bem a seu estilo, Chávez levou
para o encontro cerca de 200 chavistas do Movimento Robinson,
que faz trabalhos de alfabetização
nas periferias inspirados em modelo cubano. Vestidos de vermelho -cor do Movimento Bolivariano de Chávez-, eles encenaram gritos e gestos de apoio na
entrada e na saída do presidente
venezuelano.
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