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São Paulo, sexta-feira, 28 de março de 2003

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ANÁLISES

Subestimar o inimigo foi um erro

JAMIE LOWTHER
CHARLIE MCGRATH
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

No Staff College, a escola de comando e estado-maior do Reino Unido, há um tradicional ditado: "Nenhum plano sobrevive ao primeiro contato com o inimigo." É um axioma útil, pois ensina a esperar o inesperado e, acima de tudo, nunca subestimar o inimigo.
Muitos experientes oficiais militares americanos da reserva, aparentemente com a aprovação tácita dos que ainda servem, tem relembrado o secretário da Defesa [Donald Rumsfeld] sobre essa premissa nos últimos dias.
A crença de Rumsfeld de que o Iraque pode ser vencido em estilo similar ao do Afeganistão, com uma mistura de poderio aéreo preciso e decisivo com uma força americana liderando grupos locais em terra, teria sido a base de uma discordância entre ele e o general Tommy Franks, chefe do Comando Central dos EUA.
Franks venceu esse round, e os EUA acabaram enviando duas unidades pesadas -as 3ª e 4ª Divisões de Infantaria Mecanizadas-, apoiadas pelas mais flexíveis forças da 101ª Divisão Aerotransportada e pelos marines.
Mas com a recusa da Turquia de autorizar a 4ª Divisão de Infantaria a utilizar o seu território como ponta de lança para o início das ações na frente norte do Iraque, Franks viu seu poderio reduzido em um terço.
Como os britânicos e os marines dos EUA estão comprometidos com a segurança de Umm Qasr, Basra [sul do Iraque] e com os campos de petróleo ao redor, o principal esforço -das forças em direção a Bagdá- foi legado a apenas uma divisão: a 3ª.
Compare isso com a primeira Guerra do Golfo, quando o general Norman Schwarzkopf [equivalente de Franks em 1991] mobilizou nada menos do que seis unidades pesadas para a guerra.
Com a opção norte sendo apenas agora explorada pelos pára-quedistas, nenhuma estratégia é possível por enquanto. A 3ª Divisão de Infantaria está se aproximando de Bagdá pela direção previsível [sul] e a Guarda Republicana [força de elite de Saddam Hussein], igualmente previsível, está se mobilizando para encontrá-la.
A ausência até agora da 101ª é outro indicador de que plano talvez esteja seguindo a máxima consagrada no Staff College. Com sua capacidade de servir de "capa vertical" -os helicópteros adicionam um componente tridimensional ao plano de guerra-, a 101ª representa o antídoto perfeito para o previsível e trabalhoso ângulo de ataque da 3ª Divisão.
No entanto, sem um excedente para formar uma reserva operacional, com a "inesperada resistência" encontrada no norte e ao redor de Basra, Franks talvez tenha considerado precipitado mobilizar a 101ª para a linha de frente do confronto.
Agora, a divisão está finalmente se movendo, mas não da maneira como tinham previsto.
A próxima fase da guerra -do cerco a Bagdá- verá sem dúvida a 101ª divisão em ação. Pode se mover para ameaçar a capital desde o norte, tentando levar as forças inimigas para longe da 3ª. Qualquer que seja o modo de usar a 101ª, o atraso na sua mobilização é o melhor indicador de que subestimaram o inimigo no nível estratégico.

Falta de cálculo
A decisão de iniciar esse novo estilo de campanha militar, abrindo mão de uma fase preparatória de bombardeios, foi audaciosa. E não tivesse o presidente Bush iniciado o confronto com o "ataque de decapitação", o movimento repentino das forças terrestres através da fronteira talvez conseguisse se converter em uma surpresa.
Presumivelmente, a expectativa era que a resistência iraquiana iria ruir de qualquer modo, como na última vez. Mas há duas diferenças em relação a 1991.
A primeira é que, na Guerra do Golfo, a coalizão estava libertando o Kuait, não invadindo o território iraquiano. A outra variante é a inevitabilidade da mudança de regime. Sem muita saída, os seguidores de Saddam acabam preferindo lutar contra o inimigo.
Se essa falta de cálculo resulta de análises de inteligência incompletas ou se são uma manifestação da estratégia de Rumsfeld é algo ainda obscuro e secundário. Até agora, o impacto da campanha é apenas o de atraso.
Mas, para parafrasear o grande teórico militar Von Moltkem, "se o inimigo tem apenas duas alternativas, ele optará pela terceira".


Jamie Lowther e Charlie McGrath são ex-oficiais britânicos que atuaram ao lado dos EUA na Guerra do Golfo e hoje são consultores de segurança


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